Hoje vou escrever com as vísceras

Fabio Pires
Revista in-Cômoda
Published in
4 min readMay 5, 2021

Não vou reler ou mesmo conferir este texto exceto pelas repetições de algumas teclas que este horrendo teclado da Vaio insiste em aceitar.

Criando palavras como exxausstooo.
Não recomendo esta marca mesmo.

Falo que não vou revisar este texto não por falta de respeito para com o leitor, mas pela exaustão que alguns de nós — ou quem sabe a maioria — sente com determinadas notícias.
E isso, ao menos comigo, praticamente acontece todos os dias.

Fora a vontade de marretar o teclado que citei acima e que toma boa parte do que ainda tenho de paciência, assumo que venho me equilibrando entre dias sem notícias e dias que me abasteço delas para não me isolar.
Embora não costume sentir ódio ou raiva mesmo com tudo que nos cerca.
Digo que não sei o que sinto de fato, o que talvez seja muito pior.

Ontem em especial tivemos um jovem de 18 anos que invade uma escola em Santa Catarina e mata 5 pessoas com um facão.
Independentemente do que leve uma pessoa a cometer um crime tão horrendo, o que enxergo de imediato são 5 vidas a menos.
5 pessoas que se foram gratuitamente.
E eu ainda longe de conseguir montar algum juízo completo sobre causa, consequência e efeito, só consigo enxergar que 5 pessoas foram mortas.

No meio da noite vejo que tivemos mais de 3000 mortes por covid só hoje no país inteiro e que agora temos somadas 412 mil mortes.
Repito, não para apenas mentalmente negritarmos, sublinharmos e colocarmos em fonte tamanho 48:

412 MIL MORTES.

Cansa ver isso todo dia, não é mesmo?
E mais ainda porque em algum exercício de autoflagelo passei a tarde de ontem ouvindo/assistindo ao depoimento do Mandetta na CPI.
Eu sei, você tem razão, devo ser louco mesmo.
Ouvir tudo aquilo que já sabíamos e que em nada difere do que já sabíamos ou mesmo imaginávamos.

Fui me deitar com a convicção de que o dia não tinha sido leve.
Longe disso.
E assim finalmente recebemos a confirmação da morte do Paulo Gustavo. Falo finalmente porque as notícias sobre o estado de saúde dele não eram boas, o que geravam muitas fofocas e especulações.

Tenho preferido ultimamente não transformar minhas postagens em obituários e mesmo que goste dos seus filmes não consegui me colocar na comoção que tomou conta.
Antes que me chamem de insensível (o que pouco me importa também) digo apenas que ainda estava processando as mais de 3000 mortes que inclusive o próprio Paulo Gustavo faz parte.
Não sei em que ponto estou do que chamaria de evolução, mas não consegui colocar a morte dele como mais importante ou menos importante.

Ainda pipocavam na minha cabeça a imagem mental de alguém entrando em uma escola e matando pessoas com um facão, a visão de alguém em algum hospital nesse país morrendo sem ar pela covid, a percepção de que o Paulo Gustavo deixa duas crianças sem um dos pais, assim como vários outros dentre os 412 mil que já morreram através dela.
Mortes que poderiam ter sido evitadas ou ao menos acontecido em menor número.
Há poucos dias completou um ano do fatídico:

“E daí? Não sou coveiro”.

Não se trata de falta de respeito a ele, não mesmo.
Qualquer um pode e deve postar aquilo que acha que deve.
E isso vale inclusive para aqueles que postaram em respeito pela passagem dele e mesmo assim continuam aglomerando em festinhas.
Contraditório, não?
E conheço vários.

Como consegui agir assim?
Se eu falar que normalizei o caos e dizer que não me compadeço estaria mentindo, embora também possa dizer se tratar de algum gatilho de defesa que me faz pensar mais naqueles que ficam.
Não saberia dizer.

O sono consequentemente não foi leve.
Nada aqui tem sido leve ultimamente e por isso se fez necessário escrever assim como fiz hoje: com as vísceras, sem retoques ou maquiagens.
Concluo ao acordar que a vida é realmente uma teia de encontros e desencontros e me desculpem pela falta de paciência (ou de pontuação) e se alguma letra estiver faltndo ou dobrrada a culpa é desse teclado que é uma merda mesmo.

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Fabio Pires
Revista in-Cômoda

Escritor com dois livros lançados, Editor, Redator, Tradutor e escreve na Impérios Sagrados, no Projeto C.O.V.A e na Revista In-Cômoda.