HOMO HOMINI HOMO EST

Lucas Matto Grosso
Revista in-Cômoda
Published in
4 min readMar 16, 2018

Acordei após um longo sono gritando,

CARALHO, DEUS NÃO EXISTE!

Diante daquela constatação levantei-me de súbito e esbarrando em todos os cômodos da casa, abri a porta do quarto da minha mãe para avisa-la da nova notícia,

MÃE, DEUS NÃO EXISTE!

E ao abrir a porta estava minha mãe em sua cama com um bode, em uma orgia com um padre e dois patos. Desconcertado, sai correndo ao quarto de meu irmão, para que pudesse lhe informar daquela constatação tão espantosa

JOÃO, DEUS NÃO EXISTE!

E João estava com uma das pernas de uma cadeira enfiada no cú, com a bunda pra cima cantando alguma música da Xuxa.

Corri para a cozinha, quando vi meu irmão bebê de costas

, é possível que você não entenda nada disso que eu vou te falar, mas eu constatei que DEUS NÃO EXISTE!! E então, sua cabeça rodou para trás, lentamente, e sem mudar uma expressão, falou… “Eu te entendo”

Seu corpo voltou-se para frente, e em sua mão direita segurava um chicote, “Então não há mal nesta terra de ninguém”, chicoteando o chão, que em tal impacto abriu-se no meio, com todas as paredes tremendo e ameaçando ruir, quando então ele gritou, “Não há mal numa terra sem Deus!”, e chicoteou o vão infernal aberto em minha cozinha e começaram a sair de lá negros, com apenas panos nas partes íntimas. Ele flagelou-os e os mandou trabalhar, “Eu sou o príncipe aqui!!”, e o chão começou a todo se mover, elevando ele para cima de todos nós, “Quem é o Deus aqui?”, “O senhor é o Deus, meu senhor! O senhor é o Deus!”, “Eu sou o Deus!”. Todas as luzes foram engolidas, e tudo estava no mais completo breu, iluminado apenas pelas chamas do inferno que ele havia trazido à Terra

“Eu sou o Deus! Eu sou o Deus!”

“Resalinha!! Desce daí!!”

Tudo embranqueceu – “sai de cima dessa pia agora!!”, “Eu queria mamar mããee, o Lucas não me deu mamá, o Lucas é muito chato!”, “Lucas, você não faz nada! Vai se arrumar, a gente tem que ir para a igreja…”

Olhei, então, para meus pés, e estávamos todos envoltos por nuvens, no céu. Meu irmãozinho flutuava, com asas alvas em uma leveza ímpar até os braços de minha mãe, que com sua manta longa de panos brancos o segurou, quando atrás deles emergiu um gigantesco homem de cabelos longos, em meio àquele céu que vivíamos. Rindo, nosso senhor acariciou o os cabelos de minha mãe. Como um coro, o que antes era silêncio se tornou um canto angelical provindo de todos os anjos que se aproximavam de todas as direções. João, meu irmão, apareceu por entre as gigantescas nuvens e, voando em nossa direção, gritou alegremente, “Lucas, mamãe, rê, como é bom ter vocês aqui!”. Deus olhou para mim e completou a existência humana dizendo

“Vês o que há diante de ti?”, “O senhor, meu grandioso Deus?”, “Sim, Lucas, eu… o que constatas?”, “Que o senhor existe… meu Deus… o senhor existiu este tempo todo!”, “Eu estava aqui o tempo todo Lucas. Eu, que tudo sou, que estou onde sou, que sou onde estou, e que de tudo sei. O que tudo sabe”

Virando-se para as nuvens disse

“Se observasse este céu, meu jovem… me veria todos os dias. No quão lindo tudo é”

Com ele de costas, ouvi um som que vinha de baixo. Olhei para os meus pés e afastando as nuvens me deparei com o homem estuprando o homem; com o homem matando o homem; com homem sendo o homem do homem – selvagem!

“Deus! Deus! Deus! Olhe aqui para baixo!”, “…Se tu olhasse mais para cada estrela que brilha neste céu…”, “Deus! Senhor! Aqui embaixo! Olha pra c..!”, “…Tu verias que há muito de mim por todos os lados”, “Deus! Caralho! Deus!”, “Eu sou tudo!”, “Deus!”, “Eu estou tudo!”, “DEUS, PORRA, OLHA PRA TRÁS!”

Um calor queimou meus pés. Um cogumelo de fumaça atravessando as nuvens tampou a visão de tudo. O arredor acinzentou-se.

Breu.

“Deus? Alguém aí?… Deus?”

Não conseguia respirar. O cinza de todos os lados me fez começar a tossir. Minha musculatura pressionava tão forte minhas costelas que quase vomitei, já caído ao chão. Não conseguindo respirar, e perdendo a consciência perguntei “o senhor existe?”, quando, então, roubou-me de mim um desmaio.

Acordo.

Tudo está preto ao redor de mim.

Olho para todos os lados e nada além dum límpido vidro preto em que me encontrava em cima.

Este chão então se acendeu.

Me vejo de cima em meio a uma imagem de um menino morto numa praia da Síria…

A imagem troca,

Agora, uma massa encefálica para fora de um crânio que chocado num carro, espetaculariza os vídeos que se posta barbaramente no verdadeiro espetáculo da carne.

Tudo apaga.

O chão passa uma cena.

Uma menina com uma faca no pescoço, de quatro atrás de um arbusto, de cabelo agarrado, cavalgada por um homem que lhe mete pelo cú, o pau e a vergonha.

Desonra.

Tudo apaga.

Nada mais vêm à vista, quando então respiro… atônito, me vem o cheiro da carne putrefata de todos os bebês que ainda deixaremos morrer de fome.

Olho para o céu e não há nada além de breu.

Tudo apagou

Me vem uma brisa no rosto.

Abro os olhos.

Vejo-me ajoelhado sob o corpo apodrecido de um bebê. Seu o olho sem expressão aberto aponta pra mim. Sua glote está aberta, carcomida por vermes que também saem pelo vão das costelas rasgadas e pela boca. Suas vísceras já pretas da gangrena, e o estômago que matou o menino de vazio, cheio agora de vida- de baratas e suas crias.

Nada mais…

Olhei para o céu, e, então, o espetáculo!

Nunca vi nada tão lindo…

Eu não sei Deus

Eu não sei, Deus

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