Os tempos de outrora

em prosa poética

Nalini Vasconcelos
Revista in-Cômoda
2 min readApr 19, 2017

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Já houve um tempo em que o humano nasceu com mais dificuldade, saiu à força da mãe, que fazia força, no meio do mato, da terra, do sol sem sequer um pano limpo para o receber. Imagine se fosse você. Que absurdo acharia, mas nenhuma referência teria, seria plenamente normal como um parto normal sem fórceps.

Já houve um tempo em que a comunicação se dava entre urradas, gestos e caretas e os sentimentos eram agrupados entre fome, caça, luta e tesão. E a união, então, já se chamou casamento, amor, sacrifício ou dor. O humanoide não parou para criar subcategorias para o viver até chegar em analogias da palavra angústia e depressão. A sobrevivência foi ficando mais subjetiva, ou não. Contemplativa ou ativa, não demos conta de nos enquadramos entre uga-uga, entre um sim e um não. Veio um talvez e aí ferrou tudo. Chegaram definições, sub- definições, super-definições e os super-heróis que nós mesmos criamos para nos encaixar, aprisionar e depois sufocar sem respirar.

Já houve um tempo em que uma descoberta seria apenas pra facilitar nossa vida. Será? Fogo, roda, internet , bomba nuclear… Engatinhamos, andamos em pé, usamos o polegar e Darwin, da janela, observou essa mutação chamando de evolução. Chegou tanta gente para mostrar que se pensa diferente e não podemos ficar indiferentes. E quem mandou o humano pensar? Marx, Freud, Dali, Santos Dumont… são tantos, são muitos, é muito humano demasiado humano. São muitos problemas e cada um cuida do seu. Mas é isso, estamos aqui, viemos de onde, vamos para onde? Calma, Prometeus, hoje nem vou falar de Deus.

Já, já houve um tempo em que se achou que o passado era melhor. “Aquilo sim é que é tempo bom”. Mas quem, no tempo, pode ser dois, para comparar? Quem está lá agora pra comprovar o contexto, as diferenças e o que formou suas crenças? Sabe-se lá quantos morreram, quantos sorriram. Sabe-se números. Mas o que de fato sentiram ou sentiriam se trocássemos de habitat, se aqui deslocados do tempo ou espaço não tivessem mais contas a pagar?

Já houve um tempo em que tempo não existia. Tempo já foi um mero conceito de dentro do peito. Será humano, que podemos complicar o bastante para relativizar? Denotar diferente o tempo em que nosso abstrato possa dar um trato no ontem, no amanhã e no agora? Outrora se foi, preciso estar de pé. Não chego a lugar nenhum. Com licença humano, vou ali beber um café.

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