Joãozinho

Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda
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3 min readAug 8, 2018

Joãozinho, o eterno palhaço da turma. Quem nunca ouviu uma história dele?Quem não lembra sua irreverência, seu raciocínio rápido, as respostas afiadas pra professora? E na hora de tirar onda, coitados dos colegas: não tinham a menor chance contra Joãozinho.

Tirava sempre um apelido certeiro da manga. E nem dava bola para os que ganhava. É, já dava pra notar que aquele moleque tinha talento pra comédia. Aí o tempo passou e não deu outra: Joãozinho virou a nova sensação do humor. Um renomado profissional de standup, com apresentações lotadas toda semana pelo Brasil. Sim, tudo ia de vento em pompa na carreira de Joãozinho. Seu canal no youtube se tornara um fenômeno mundial. E mesmo antes disso, já andava com tudo que é celebridade: de Eri Johnson a Pelé. Frequentava as festas mais descoladas e, volta e meia, ainda aparecia em algum programa de TV.

Mas um dia Joãozinho resolveu abandonar os palcos. E toda a popularidade à sua volta. No início ninguém entendeu nada. Até ele gravar um vídeo explicando tudo. Durante um jantar de família, como era de costume, Joãozinho divertia todo mundo com suas piadas. Após uma delas, seu pai riu tanto que acabou se engasgando com um caroço de pitomba. Com um fim trágico, o velho literalmente morreu de rir. E desde então, Joãozinho nunca se perdoou pelo que aconteceu. O trauma fez com que ele criasse uma verdadeira aversão a piadas. Nunca mais sorriu. Nem fez ninguém sorrir. Só de pensar nisso já lhe batia um sentimento de culpa. Tinha medo que seu humor pudesse machucar mais alguém que amava.

Daí pra mudar de carreira foi um pulo. O agora amargo Joãozinho logo trocaria as hilárias apresentações pela rotina do escritório. Os roteiros cômicos pelas planilhas de Excel. É, todo mundo se adapta. E com Joãozinho não foi diferente. O ex-humorista até que se saiu bem como estatístico. Passou a ser feliz naquela vida sem muitos riscos. Ou pelo menos tentou se convencer disso. Mal sabia que sua estabilidade estava por um fio.

A empresa havia contratado um novo diretor que, para surpresa de Joãozinho, era um de seus amigos do tempo de escola. Bom…amigos, pero no mucho. Baltazar era um dos alunos que mais sofriam com a língua ferina de Joãozinho. Pra piorar, não sabia reagir a provocações. Era tímido, sem muito traquejo. E agora, o cara que Joãozinho sempre escolhia como alvo de suas brincadeiras se tornara seu chefe. Uma vez, depois de uma exaustiva reunião, Baltazar pediu que Joãozinho ficasse na sala. Os dois relembraram juntos várias memórias de infância. E claro: uma hora o assunto ia chegar nas piadas:

— E aquele apelido que você me deu na aula de educação física? Como era mesmo?

— Nossa, nem lembro mais.

Mas quem apanha não esquece. Então Baltazar insistiu:

— Claro que lembra! O Colégio inteiro lembra até hoje.

Joãozinho ficou ainda mais sério. Pensou em contar a história de seu pai, falar sobre o ódio às piadas. Mas limitou-se a tentar desconversar:

Faz muito tempo. Vamos deixar pra lá.

Baltazar dá um longo suspiro. Agora visivelmente irritado, resolve coagir seu funcionário:

— É uma ordem, Joãozinho. Você não tem escolha. Ou conta o apelido ou tá fora. Bora, desembucha.

Com um olhar insano de quem surta, Joãozinho repetiu o apelido várias vezes:

— Pitombinhaaaaaaaaaaa!!!! Pitombinha, pitombinha, pitombinha!

Baltazar se assustou. Aquele colega zombeteiro do tempo de escola parecia ter despertado. Enquanto gritava o apelido, Joãozinho imitava uma pinça com o polegar e o indicador entre as pernas, debochando o minúsculo pênis do chefe. O problema é que, além de ser um apelido humilhante, a palavra Pitombinha também trazia à tona a triste lembrança da morte do pai de Joãozinho. Não por coincidência: foi tudo planejado por Baltazar.

Porém, a rancorosa vingança surtiu efeito contrário. O fato de Joãozinho conseguir fazer piada com uma lembrança tão dolorosa o libertou. Imaginou seu velho rindo da cara de Baltazar pelado na aula de educação física. Aliviado, Joãozinho voltou a sorrir. E agora, a culpa pela morte do pai foi embora junto com o ódio pelas piadas.

Joãozinho enfim voltou aos palcos. Nem precisa dizer quanto material essa história rendeu. Como ele mesmo conta em seu novo show, segundo as estatísticas, até o evento mais improvável tem chance de acontecer. Inclusive o Pitombinha virar seu chefe.

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Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda

Redator publicitário, escritor e criador do Poucas&Bobas: página de contos, crônicas e esquetes cômicas.