Quartos à beira-mar — Edward Hopper (1951)

Maré

Lucas Arcelino
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readJun 21, 2023

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O rapazote mal podia conter a empolgação. Foi a primeira vez que o pai lhe concedeu permissão para acompanhá-lo ao mar no precário barquinho de pesca, e isso significava que finalmente estavam começando a tratá-lo como adulto naquela casa. Tinha que acordar cedinho no outro dia, antes do sol dar as caras por essas bandas do atlântico. Ciente disso pediu a bênção logo depois da janta, e foi pra cama sonhar com o cardume que traria para casa em sua estreia na pescaria.

Acordou na hora na certa. Pra falar a verdade nem chegou a dormir, tamanha era a ansiedade de ir ao mar. A expectativa lhe embrulhava o estômago, e temeu estar doente. Adoecer logo naquele dia seria cruel, mas não estava. Levantou assim que o pai entrou no quarto, mostrando estar desperto e saudável para a missão. Mas pela cara do pai já previu que vinha notícia ruim.

– O céu tá fechado. O tempo não tá pra pesca. Fique assim não, meu filho, os dias são que nem a maré, já já ela vira pro seu lado.

O rapaz aceitou com tristeza o prognóstico do seu pai, que se provou verdadeiro, pois logo começou a chover. Ele deitou-se em sua cama, e ouvindo a chuva se pôs a pensar nas palavras do pai. “Os dias são que nem a maré”… O que ele quis dizer com isso?

Repetia e repetia em sua cabeça, já sonolenta da noite mal dormida, buscando sentido escondido na palavra dita com tanta sabedoria por seu pai. Maré… Maaaaaré…Maréééé… Mar… É.

— Entendi! Mar é maré; Maré é o mar sendo mar. Subindo, descendo, sempre mudando.

A epifania do jovem pareceu alegrar o sol, que arremessou faceiro seus raios pela janela. Alegre, ele notou o som da chuva indo embora, e o cheiro da maresia subir com a promessa de peixe.

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