Mutante

mariogarciajr
Revista in-Cômoda
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4 min readApr 5, 2019

Romântico. Tão romântico que nunca consegui evitar novos romances. Mesmo já estando em um. Você foi especial. Importante até. Mas ninguém é tão importante quanto uma nova história de amor. E desde a última vez em que nos vimos, foram tantas novas histórias de amor.

Posso parecer egoísta e imaturo. E talvez até seja mesmo. Mas é como me sinto no momento. Não trocaria o risco de um novo romance pela segurança de um amor eterno. E até me acho moderno.

Estou sentado em uma mesa no mezanino de um café próximo ao meu escritório. Gosto dali. Da sensação de poder ver todo o salão lá embaixo sem ser visto. Impressionante como as pessoas hoje em dia não olham mais pra cima. Pode ser a mania de ficar mirando a tela do celular. Ou o medo de cair do pedestal de onde se acha que está.

Você entra com uma amiga. Parecem animadas. Além de lindas. De repente é como se eu voltasse no tempo. Um chip de Vale a Pena Ver de Novo parece ter sido implantado em minha cabeça e vejo tudo, lembro de tudo, viajo no tempo.

Você era atenciosa, carinhosa e gostava de encostar a cabeça em meu coração enquanto eu escutava minhas músicas preferidas. Não sabia se era romantismo ou se você não gostava de blues. Na verdade, eu nem sabia se você estava ouvindo algo além da minha respiração. Nunca conversamos sobre isto. Só achava bonito.

Lembro também de quando você me deu um coração de espuma de presente. Ao colocá-lo ao lado de minhas medalhas de natação, você reclamou: — Meu coração não é um troféu para você colocar na estante!

A partir daquele instante, toda vez que brigávamos, você lembrava do seu coração, que já era meu porque você tinha me dado, lá, guardado ao lado de outros triunfos conquistados na estante. Dizia que eu não te dava valor. Que eu não te dava amor. Mas eu dava. Dei até um anel de brilhantes. O que não significa nada, eu sei. Mas eu te dei sim, meu coração. Não um de espuma, mas o de músculo, sangue e pulsação. Ele foi todo seu enquanto eu te amei.

É que o amor é tipo aquela dor de cabeça chata. Só que sem ser chata. Você acha que nunca mais vai passar até o dia em que passa. Amor passa. Na esperança de que outro amor nasça. O meu por você passou. E você nunca aceitou porque aconteceu antes que o seu amor por mim passasse. É difícil conviver sem uma recíproca verdadeira. Eu entendi sua revolta. Mas quando se chega ao ponto de sentir um outro amor surgindo, aí não tem volta.

E eu tinha me apaixonado de novo. Em um elevador. Indo para o dentista. Tenho essa mania de me apaixonar em lugares improváveis. Coincidentemente, ela foi ao mesmo consultório que eu. Conversamos. Marcamos um café. E de repente, ela era tudo o que eu queria naquele momento. Nosso prazo de validade, o meu e seu, havia esgotado. Tudo era frio para mim. Tudo já parecia passado.

Assim como o café que estava tomando. Viajei tanto, lembrei tanto, que esqueci dele. Mandei trocar. Pode ser um problema de caráter. Ou até de falta dele. Mas sou assim. Esfriou, eu troco.

Volto os olhos de novo para você. Seu jeito de falar com as mãos. De arrumar o cabelo. De sorrir. De olhar no olho da pessoa com quem você está conversando. Você cruza os braços como se estivesse chateada com algo. Lembro bem de suas cruzadas de braço. E de seus pés batendo no assoalho.

Nossa, como você é linda. Você ouve a fala do outro prestando atenção. Isto é tão raro hoje em dia. E sua boca? Havia esquecido como era perfeita. Impossível não lembrar do nosso beijo. Queria morar no nosso beijo. Acordar e dormir naqueles lábios. Leves e firmes. Doces e molhados. Me pego suspirando. Acho que está voltando. É assim, em um estalo. Estou apaixonado de novo. Por você. É como o calor do café novo, que o garçom acaba de me trazer.

Você se levanta. Acho que vai ao banheiro. Mas estou enganado. Você subiu. E agora está parada na minha frente. Com um olhar que eu não sei decifrar. Que eu nunca tinha visto. Eu te encarei. Você se sentou. Eu respirei fundo. Você falou: — Como um mutante, no fundo sempre sozinho. Eu respondi: — Seguindo o meu caminho. Você retrucou: — Ai de mim que sou romântica. Eu pedi: — Kiss me. Você se levantou, voltou para perto da escada e disparou para todo mundo ouvir: — Pena que você não me quis. E foi embora.

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