O cinto e o atraso

Penso, logo escrevo
Revista in-Cômoda
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2 min readApr 29, 2020

Em um trecho rotineiro de viagem de ônibus interestadual, um imprevisto tornou-se uma história para contar. Chegando na primeira parada oficial, o motorista traz uma informação que não agradou aos passageiros: um cinto de segurança está com defeito e vamos ter que trocar de ônibus! Em momentos como esse sempre surgem os mesmos tipos de pessoas: o que faz piada com a situação, o que começa a xingar, o que, como eu, só aguarda pois percebe que não há muito o que fazer e, por último, os que rezam e agradecem pelo “livramento”.

Uma hora se passou e, finalmente, o ônibus reserva chegou. Funcionários da empresa iniciam o transporte das bagagens, os passageiros começam a se acomodar e percebem que o número de poltronas é inferior e não suportará a quantidade de pessoas. Esse, por si só, já foi o motivo para um novo rebuliço mas contou com uma informação que ajudou a inflamar ainda mais a situação: o tal cinto de segurança defeituoso estava apenas folgado e, mesmo com outros passageiros oferecendo para trocar de lugar, o viajante insistiu que só viajaria em sua poltrona de origem.

Resultado: após todo esse impasse o, agora, tão “amado” viajante decide contentar-se com seu cinto de segurança folgado e retorna para sua poltrona como se nada tivesse acontecido. Brinque com fogo mas não faça pessoas perderem tempo. Por um instante tive a impressão que presenciaria um linchamento mas o máximo de agressões que ocorreram foram algumas palavras não muito agradáveis e alguns olhares tortos.

Passageiros reacomodados, pertences devidamente armazenados mas uma discussão continua entre o motorista e uma pessoa que o acusa de ser o culpado de todo o atraso. No meu julgamento: motorista — inocente, folgado do cinto — culpado. Eis que o condutor tira uma carta da manga que, simultaneamente, faz a mulher ao meu lado lamuriar e põe fim ao bate-boca: “eu estou conduzindo vidas e você está me estressando!”.

Não tenho muitas superstições, não tenho religião e, me crucifiquem, mas não acredito em signos. Se tivesse, talvez teria ficado preocupado em ouvir tantas rezas, orações, louvores e até a lamentação de que “estava sentindo que não devia viajar hoje e agora o motorista está estressado”. Após cochilos revezados com escutar intermináveis Pai-nossos e Ave-marias, o ônibus chega a seu destino, a cidade cumpre seu ritual diário de engarrafamento e alguns passageiros chegarão atrasados em seus trabalhos.

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Pensamentos e situações do cotidiano que pediram para sair da minha cabeça