O mundo é um barranco

Nícollas Lopes
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readAug 9, 2020
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Neste estado de coisas,
neste estado de ideias
meia dúzia delas vou dizer
onde eu moro não tem lar
minh’alma é um revólver a revolver,
com um punhado de problemas sem resolver
bom cabrito não berra (calei-me)
nem se deixa perecer (esqueci-me)

Nas encostas deste mundo
com meus cascos a escorar
daqui posso ver o mar
ouvir o forte estrondo
deixando o vento bater

Este mundo é um barranco
espinhoso e sem pousar
mesmo assim eu sigo nele
espetado em cravinhos
lanças, setas e espinhos
que me rasgam a carapaça
e também o interior

Coração dilacerado
por bagata e amargura
se despenca do barranco
cai lá embaixo em pedra dura
com repique e tremeduras
se congela em águas fundas

Daqui não vejo mais
o que preenchia o meu peito
Sinto-me inócuo e ao revés
corpo ausente de sentimento ou coisa assim

De lata agora sou
sem leão ou espantalho
ouro puro ou coisa assim
O barranco me escora
mas também castiga a mim

Olho lá embaixo o oceano
com suas ondas rebeldes
e seu estrondo de horror
meu coração já deve ter sido
comida de algum cardume ou arraia
e aqui em cima só há o hiato
que em mim se imperou

Já sem o medo de cair,
de afundar-me ou coisa assim
O mundo é um barranco
e o meu peito, cicatriz

Niterói, 09 de agosto de 2020

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