O Sol de Meursault
“O Estrangeiro” nos põe defronte à vacuidade da existência - e ri da nossa cara por isso.
O livro supracitado é um romance do Pied-Noir (Francês nascido na Argélia) Albert Camus. Filósofo Existencialista, Camus deu origem à Filosofia do Absurdo, a qual dialoga com o Existencialismo ao mesmo tempo em que se opõe veementemente a este.
Dada a breve introdução digna de alguém possuidor de vasto conhecimento sobre coisa alguma, vamos ao ponto: “O Estrangeiro” é um dos meus livros favoritos — por isso escrevo esse texto que, se escrito não com a pena da última flor do Lácio, inculta e bela, mas em língua estrangeira Anglo-saxônica (Inglês, para os incautos) pudesse ser considerado um ensaio. Whatever, de nada ou pouco importa o gênero textual. Como disse, é um dos meus livros favoritos, se não o favorito. Li em uma época bem estranha da minha vida, e me identifiquei com o personagem logo no momento em que li as primeiras páginas. A indiferença de Meursault pela morte da mãe, pelo amor da namorada, pelo trabalho, por todos à sua volta e, sobretudo, por sua prisão, me era muito familiar. Indiferente como era - e ainda sou, admito - Meursault não era para mim uma vítima de seu tempo, mas sim um herói, por toda sua indiferença para com tudo e todos. “Quem dera fosse Meursault”, pensei diversas vezes enquanto lia o livro.
Passado algum tempo e alguns outros livros lidos, voltei à leitura d’O Estrangeiro, pelo gosto de reler clássicos. Acho que foi Carlos Heitor Cony quem disse: “Clássicos são aqueles livros que você não diz ‘eu li’, mas sim, ‘estou relendo’”.
Dito isso, voltei a ler o livro e, quando terminei, tive o pensamento de que sim, Meursault era uma vítima de seu tempo. Vítima do existencialismo e da Teoria do Absurdo Camusiana. Meursault era uma vítima do Sol.
A certa altura, quando perguntado por que disparou cinco tiros no árabe na praia, Meursault culpa o Sol. Diz que estava muito quente e, num momento de delírio induzido pelo calor e pela forte luz do astro, acabou atirando no árabe, tendo dando mais quatro tiros no corpo já morto. Vê-se, aqui, no clímax do livro, no momento de maior tensão, o papel secundário que o personagem principal assume.
O protagonista, na verdade, é o sol.
Meursault, em sua vida, é apenas figurante, um verdadeiro estrangeiro, passageiro de um trem que vai só de ida a lugar nenhum. Juntamente com o Sol, os protagonistas do livro são as coisas e os seres que guiam a vida de nosso suposto protagonista, que em momento algum assume tal papel, sendo levado por tais entidades como uma folha é levada pelo vento, de forma totalmente passiva. Escrito em meados do século XX, tempo marcado pela desesperança e incerteza pelos rumos do mundo, Camus sintetiza em Meursault o indivíduo daquela época, guiado não por si mesmo, mas por fatores externos - no caso de Meursault, o Sol.
A reflexão que o livro promove, porém, é atemporal. Somos nós mesmos os donos de nossas vidas e destinos? Camus estava certo? “Por que você matou o árabe?” Vivemos apenas guiados por fatores externos, e não pela nossa própria vontade? Essas perguntas, ainda em nossos tempos, têm respostas vagas e, para Camus e Meursault - arquétipos da Teoria do Absurdo -, nenhuma delas interessa.
Since we’re all going to die, it’s obvious that when and how don’t matter.
- Albert Camus