Ouro
“Se a minha intensidade ainda for me matar
Eu prefiro ser poesia e ter histórias pra contar.”
“Música Secreta” — Manu Gavassi
Cheguei à conclusão de que precisava abordá-lo de maneira assertiva. Só que, desta vez, eu iria precisar de um plano, pois, honestamente, eu não gostaria que a resposta que eu fosse obter se resumisse a dois tiques azuis, no WhatsApp, iguais as outras respostas que obtive nas mais de duzentas e vinte e sete tentativas anteriores. O plano era estabelecer um equilíbrio: não escrever um texto gigante o suficiente para ficar no vácuo, mas, tampouco, um texto minúsculo no qual eu ficasse impossibilitado de expressar devidamente tudo o que venho sentindo nos últimos meses. Me tranquei em uma das cabines sanitárias do banheiro da firma para poder escrever.
Refletir sobre o teor dos meus sentimentos e sobre a sua negligência me remetia ao início do relacionamento, quando ainda não acreditávamos que o mesmo estava totalmente fadado ao fracasso. Eu não media esforços quando o assunto era demonstrar afeto, enquanto você ficava assustado quando eu dizia que estava com saudades — e alegava ser impossível, uma vez que fazia menos de uma semana desde que havíamos nos visto pela última vez. Me recordo da aptidão que eu tinha em fazer reflexões profundas sobre todo e qualquer assunto, e você sempre me censurava, dizendo não ser adepto a discussões conceituais. Na última noite antes do fim, percebi que você escolhia com muita cautela as palavras exatas para explicar o óbvio, faltando apenas dois minutos para o meu Uber chegar. Com a voz embargada, você disse que eu costumava dizer coisas demasiada fortes, mas me lembro que você havia feito uma pausa dramática, e voltou atrás no seu discurso, fazendo uma correção e tentando se desculpar por não conseguir se expressar corretamente, tentando dizer que o problema não era exatamente a força das coisas que eu dizia, mas que, talvez, o problema fosse somente a força.
A força, a intensidade.
Me recordo do quão displicente eu gostaria de ter sido — ou de, pelo menos, ter parecido ser. Gostaria de ter conduzido tudo isso de maneira tão formidavelmente natural que não me causasse nenhum dano que me fizesse ficar acordado a noite inteira, me perguntando onde que eu havia errado exatamente. Falhei miseravelmente. Eu não sei me comportar. Eu não sei me comportar com você, no que diz respeito a mim — eu não sei me comportar comigo mesmo no que diz respeito a você.
Honestamente, talvez eu não quisesse me importar tanto — exatamente do jeito que você faz. Gostaria de ser incapacitado de despender tanto tempo e energia em algo que nunca esteve em seu apogeu — ou que sequer existiu. Gostaria de não sentir a necessidade de falar contigo o tempo todo, tampouco gostaria de ficar dando play diversas vezes nos seus áudios, apenas para ceder ao meu capricho pessoal de me permitir sentir as sensações únicas que a sua voz levemente grave e risonha me proporciona; mas também eu gostaria de não me sentir mal caso você não falasse comigo nenhuma vez ao dia. Gostaria também de não me auto sabotar toda vez que conversamos: pois sou incapaz de responder a mim mesmo se você realmente se importa comigo o suficiente para perguntar se estou bem, ou se apenas está sendo cordial e educado. Vez ou outra, eu me proíbo de te procurar — não porque eu quero que você sinta a minha falta e me procure, mas sim, porque eu quero me acostumar com o fato de que talvez você não esteja tão a fim de mim assim, porque eu preciso aprender a perder. Cansei de ditar a mim mesmo como eu deveria me sentir. Eu não tenho mais forças para lidar com a natureza dos meus próprios sentimentos.
Talvez eu esteja amaldiçoado, marcado pelo destino de forma com que o azar no jogo, azar no amor e a sorte no azar seja uma constante em minha vida. Tenho a impressão de que, diferentemente do Rei Midas, que transformava em ouro toda e qualquer coisa que entrasse em contato com a sua pele, eu fui contemplado com o poder de fazer com que toda e qualquer relação na qual eu esteja inserido não tenha outro final que não seja a aniquilação completa. Tudo que toco está longe de virar ouro — muito pelo contrário: em termos químicos, eu poderia dizer que tudo o que eu toco, automaticamente, passa a ter propriedades inferiores às propriedades do mais miserável dos elementos químicos.
Eu simplesmente não sei não demonstrar. Nunca fui bom em ser comedido. Minha alma é livre e o meu coração é cheio de amor. Eu corro desesperadamente de qualquer indício de superficialidade. E não, eu não sei lidar com a dor de outra maneira que não seja sendo poético. Eu sinto muito.
Transformei os meus sentimentos em palavras e respirei fundo. Apertei em ‘enviar’ e respirei mais fundo ainda. Dei uma descarga.
E como nem tudo são flores — ou ouro — finalmente eu recebi uma resposta que não fosse o silêncio e o descaso absoluto: eu era insuportavelmente dramático, e esta era a razão de não termos dado certo. Eu preferia ter ficado sem resposta.
Confesso que fiquei chateado, sim. Mas não com ele: comigo mesmo. Chateado comigo mesmo por ter me esforçado ao máximo, para fazer com que alguém que não tivesse o mínimo de respeito por mim e pelos meus sentimentos, tivesse acesso à minha melhor versão. Comecei este texto renegando a mim mesmo e a minha intensidade, mas confesso que estou finalizando-o sem a certeza de que, ou eu ainda não aprendi a ser cauteloso no que diz respeito a externalizar tudo o que acontece aqui dentro, ou que, na verdade, eu ainda não havia encontrado alguém que tivesse sensibilidade e profundidade emocional o suficiente para poder me entender e para eu poder partilhar tudo o que sinto.
Se um dia você tiver a sorte de encontrar alguém que não interfira de maneira negativa na sua autopercepção, e que não se sinta intimidado diante da sua imensidão emocional e grandiosidade humana, tenha a certeza de que você conquistou algo muito mais valioso e menos pretensioso do que a capacidade de transformar qualquer coisa em ouro.