Paciência

Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda
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2 min readJul 15, 2019

Dezenove horas e quarenta e nove minutos. Mais um dia de trabalho concluído, caminho aproximadamente uns 500 metros em uma rua escura com a sensação de dever cumprido até chegar ao meu carro.

A cada passo que dou, planejo os próximos passos que ainda tenho que fazer antes de chegar em casa: passar na farmácia, no supermercado, deixar um livro na casa de um amigo. No percurso, apesar de curto, vejo várias coisas. Primeiro, um casal se beijando dentro de um carro. Quando passei bem em frente, eles ficaram constrangidos, suspeito que eram amantes.

Depois, por muito pouco, quase piso em umas formigas que, de maneira admirável, conseguiam carregar um pedaço de folha que havia caído de uma árvore qualquer. Ainda bem que não coloquei todo o trabalho delas a perder.

Quando finalmente estava chegando no carro, percebo que havia esquecido a chave no trabalho. Com muita raiva, solto alguns palavrões. Mentira, foram muitos! Volto para pegar com uma cara de desânimo maior do que quando vou trabalhar na quarta-feira de cinzas.

Meu consolo foi cruzar novamente com as formigas e ver que elas continuavam fazendo esforço e pouco tinham avançado. Em compensação, o casal de dentro do carro devia ter avançado demais: o automóvel balançava levemente. Não posso afirmar o motivo, o vidro era fumê.

Minha próxima parada foi a farmácia. Não lembro ao certo o que ia comprar, mas pedi um remédio para dor de cabeça. Depois de velho, comecei a tomar. Estava chegando no balcão quando percebi que a receita havia ficado no carro. Mais palavrões são mentalmente soletrados, começo a me ofender de todas as formas. MERECIDO.

Próxima parada, você deve lembrar, eu já estava esquecendo: supermercado. Lá acontece tudo como o esperado: fila pra escolher um pedaço de carne, fila pro queijo fatiado, fila pro caixa, fila pra trocar o ticket do estacionamento. Minha paciência não é a mesma daquelas formiguinhas.

Depois de tudo isso, minha última parada antes de chegar em casa era deixar um livro com um amigo. Meu plano para ser mais rápido era entregar ao porteiro. Só não imaginava que ele faria um interrogatório mais complexo do que o do FBI. Eu queria deixar só um livro, mas precisei assinar uma papelada e até mostrar documento. Tenho certeza que seria mais rápido ter ido deixar na porta da sua casa, mesmo subindo de escada.

Finalmente chego em casa, muito cansado e sem nenhum pingo de paciência para fazer nada. Deve ser porque estou ficando velho, próxima semana faço aniversário. Não vou revelar a idade porque cheguei naquela fase da vida que sou novo para alguns e velho para outros. Tenho paciência pra isso também não.

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Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda

Redator, publicitário, jogador e metido a escritor. Autor do livro de crônicas: Blá Blá Blá.