Pinschers, rottweilers e a incompatibilidade amorosa

André D’Assisi
Revista in-Cômoda
Published in
3 min readMar 4, 2019
Photo by Akshar Dave on Unsplash

Aulas de biologia têm especial magnetismo. Elas puxam dos alunos perguntas que expõem, sem piedade, os limites da burrice do homem, a sua real natureza. Ecce homo! Eis o homem!

A burrice dá as caras de forma variável não de acordo com a dificuldade do tema, mas com a importância deste para a vida pessoal do aluno. As perguntas sobre arqueobactérias são geniais, já que pouco importam procariontes antissociais. Já as sobre reprodução, estas são as mais idiotas, pois fazer amor — sem reprodução! — é o motivo existencial do adolescente médio.

A evidência da burrice nas perguntas sobre reprodução dispensa o começo: ela já é logo anunciada. É que o juízo do aluno tolo, cético da própria energia para prender a famigerada pergunta, empenha-se no último expediente: fornecer remetente falso. Daí virem as famosas introduções “Tenho um amigo que…” e “Minha amiga queria saber…”. A sexóloga Laura Müller, do Altas Horas, bem sabe como quase nada se salva depois desse anúncio. É alguém de 14 anos querendo se assegurar da saúde do seu pênis em forma de L, ou da tripla segurança ao usar 3 preservativos, ou da possibilidade de nascer verruga na mão por se masturbar demais…

Curiosamente, nunca perguntei algo burro sobre reprodução humana nas aulas de biologia. Meu problema foi perguntar sobre reprodução animal. Talvez porque fosse um pouco indiferente ao sexo na adolescência e, como não era um hábito as pessoas fazerem amor à minha vista no dia a dia, fui me desinteressando cada vez mais e fiquei com poucas perguntas. Mas as galinhas, os cachorros e o gado do sítio de meu avô, estes nunca tiveram o pudor, fazendo do mundo o seu motel. O tema era tão exposto aos meus olhos — à luz do dia, ao meio-dia, quer houvesse visita na casa de vô, quer não… — que passou a ser instigante.

Numa aula sobre reprodução, perguntei ao professor L. na mesma sinceridade como que ao Google se, por inseminação artificial, podemos conseguir filhote dum pinscher e um rottweiler. Ele parou e me olhou com estranheza, a turma riu e eu suei. Para mim, um tímido e neurótico de então 17 anos, meus colegas deviam estar me vendo como o maníaco que queria tirar sêmen dum rottweiler gigante, injetá-lo por uma seringa numa pinscher trêmula e esperá-la estourar como um balão na gravidez. Ou pior: podiam achar que eu já tinha tentado o cruzamento tradicional, que matou a pinscher usada, mas, mesmo assim, eu insistia na experiência. Como sempre fui meio esquisito e solitário, era direito de todos suspeitarem isso.

Felizmente o Google não julga; ele acolhe. Ele sabia como eu duvidava da incompatibilidade amorosa entre um pinscher e um rottweiler. As diferenças nunca impedem que a natureza junte ninguém, haja vista o cavalo e a jumenta que, de espécies diferentes, geram a mulinha. Assim, anos depois daquela aula de biologia, quando a pergunta boba já descansava no cantinho da vergonha da minha mente, o Google me mostrou filhotes esquisitos de rottweilers com pinschers. Como a internet só fala verdades, mais uma vez fica provado para o mundo que não há incompatibilidade para amor, ou ao menos seus frutos. Queria esfregar isso na cara do professor L.

O professor trataria com mais naturalidade a minha pergunta se visse as coisas que vejo no Facebook. Elas fazem o amor duma pinshcer e um rotweiller banalmente possível. Vejam o caso da minha amiga feminista. Ela manteve o noivado com o seu boy, um bolsominion, apesar das eleições de 2018. No Facebook, diariamente ela falava mal dos “porcos machistas” e ele, das “feminazis fedorentas”. E, na vida real, se amavam — e se amam.

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