Primeiro emprego

Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda
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3 min readMay 29, 2018

Tenho uma tia/irmã que admiro muito. Na verdade, ela é tia porque é irmã da minha mãe. Ela me chama de irmão porque tem poucos anos a mais do que eu. Não vou expor a diferença exata para não correr o risco e a indelicadeza de revelar a sua idade.

Vamos adquirindo essa mania com o passar do tempo, principalmente depois da quarta década vivida. Ops, tô falando demais. E o objetivo dessa crônica não é descobrir a idade dela. É para comentar uma atitude dela. Uma história antiga que lembro até hoje.

Sua primeira gravidez não foi nada fácil e ela ficou impossibilitada de realizar algumas atividades que faziam parte do seu cotidiano. Restrições impostas pelo médico para o seu bem e, sobretudo, para o do seu filho. Uma delas e talvez a pior: não poder dirigir. Ela tentou argumentar “Ah, mas o carro é automático”. Nananinanão. Retrucou o médico. Ela estava proibida e não podia dirigir de jeito nenhum. Resumindo: virei o motorista dela.

Foi o meu primeiro emprego. Ganhava 20 reais por dia, lembro bem. Não tinha contrato, não tinha carteira assinada, não tinha muita pontualidade e eu não tinha muita experiência. Mas era uma tremenda responsabilidade. Além de ser a primeira vez que ganhava dinheiro com o meu suor. Suor porque, apesar do carro possuir ar-condicionado, minha camisa ficava encharcada.

Era uma tensão danada ficar levando minha tia para cima e para baixo. Cada buraco que o carro caía (isso é inevitável na nossa cidade), minha tia gemia. Cada sinal amarelo que cruzava, ela fechava olhos e parecia apelar para todos os santos para não cruzarmos com nenhum outro carro. Vivemos grandes e assustadoras aventuras. Desculpa, priminho.

Pior que ela todos os dias fazia questão de inventar “passeios”. Eram médicos, loja de decoração para o quarto do filho, lojas especificas para roupa de grávida e de criança, supermercado para comprar alimentos mais saudáveis. Eu dirigia mais do que motorista da Uber.

Ela me pagava para me ajudar, sabia que na época eu era estagiário e só ganhava o dinheiro do ônibus. O que ela não sabia era que aquele emprego de motorista iria me ensinar muito. Uma vez, antes de irmos para ao médico, o pneu do seu carro furou. Na hora mesmo pensei: esse dinheiro não vale a pena. Nunca troquei pneu, vou sujar toda a minha roupa e várias outras coisas negativas passaram na minha cabeça.

Ela olhou para mim como se me conhecesse desde que nasci e notou a minha cara de desespero. Na autoescola não se aprende a trocar pneu. Isso é a vida que ensina. Nos aproximamos do carro e falei: deixa que eu troco, isso é coisa de homem. Falei inocentemente. Sem maldade. Não era justo ela grávida trocar o pneu de um carro. Ela olhou para mim com uma cara de deboche e falou só assim: marrapaz! Trocou rapidinho e seguimos em frente.

Obrigado, Natália. A vida ainda não me ensinou a trocar pneu, mas você me deu uma lição que valeu bem mais do que os 20 reais.

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Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda

Redator, publicitário, jogador e metido a escritor. Autor do livro de crônicas: Blá Blá Blá.