Professor

Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda
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3 min readJan 25, 2018

Vestiário. Time de futebol comemora a vitória fazendo um samba. O clima é de festa: jogadores bebem cerveja e dançam com Marias-chuteiras. De repente, vestindo um moletom de treinador, chega o Professor Pasquale dando bronca:

— Posso saber por que essa farra?

O samba para. Os jogadores se olham, confusos. Um deles responde:

— Ué, professor. Nosso time acabou de ser campeão. 3 a 0, fora o baile. Não era pra comemorar?

— E foi 3 a 0 na casa deles, hein? Deu até pena a ver a cara de choro da torcida.

— Quem vai chorar agora é o cavaco. Simbora, Oliveira.

O samba recomeça e as Marias-chuteiras voltam a dançar. Professor Pasquale dá um soco no armário, assustando todo mundo com o barulho. Depois, fala ainda mais alto:

— Alguém pode me explicar o que aconteceu lá no campo?

— Goleada nossa?

— Vexame deles?

— Sabe o que é vexame, Everardo? Vexame é aquela entrevista que vocês deram.

— Como assim, professor?

— “Nós lutou pelo título”? “A gente jogamos com raça”? Nossa defesa foi a menas vazada”?… porra, cês tão querendo me derrubar?

Os jogadores escutam o sermão de cabeça baixa, envergonhados. Pasquale pega uma prancheta e mostra uns exercícios desenhados.

— Quantas vezes a gente treinou concordância, conjugação verbal, ortografia, aí vocês me aprontam uma dessas?

— Mas professor, o título é nosso! Por que tanta raiva?

— Explica como é esse por que, Everardo: é junto? Separado? Tem acento? Não tem acento?

— Aí depende, professor. Se chegar cedo tem assento. Se não, tem que ver o jogo em pé mesmo.

— Tá vendo? É por isso!

— Calma, professor. Que é que a gente faz pra melhorar então?

— Leitura! Muita leitura. Aliás, cês tão lendo alguma coisa?

Jogador mostra uma Bíblia pro técnico e responde:

— Eu tô lendo a palavra, professor. O problema é que a palavra tem um monte de palavra, uns nome difícil. Daí eu não entendo nada.

— Ah, professor, e desde quando jogador tem que ler pra se dar bem?

— Claro que tem! Olha o Neymar, por exemplo. Não leu o contrato com o Barcelona, se enrolou todo, e agora tá aí fugindo do fisco.

— Mas ele não leu porque tava em espanhol.

— Presta atenção, rapá! Espanhol é igual português, só muda o sotaque.

Decepcionado com o que ouve, Professor Pasquale dá um suspiro. Depois, fala apontando para uma das Marias-chuteiras:

— Pensa comigo: vai que ela aparece dizendo que tá grávida? E aí? Ninguém vai querer ler o teste de DNA?

Nessa hora, os jogadores olham desconfiados para as duas belas garotas. Elas se levantam e vão embora do vestiário. Uma delas comenta:

— Estraga prazer!

Professor Pasquale continua:

— Pessoal, não precisa entrar na Academia Brasileira de Letras não. Só quero o mínimo de cuidado. Será que é impossível dar uma entrevista sem falar nenhuma bobagem?

— Aí o senhor já quer demais, né professor? — responde Felipe Melo.

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Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda

Redator publicitário, escritor e criador do Poucas&Bobas: página de contos, crônicas e esquetes cômicas.