Proibido Mexer no Rádio
Ao fundo ouviu Flores Astrais em uma voz não reconhecida:
“O verme passeia na lua cheia…”
O intérprete meio desanimado desabou em emoções que nem ele mesmo parecia capaz de entender.
O copo, típico de que serve muitos pingados aos domingos, e que se manteve meio vazio, caminhava para o fim até que, mesmo sem pedir, o garçom o completou com o famoso “chorinho” tão comum nos caldos de cana de feira e aqui diluído em álcool de qualidade duvidosa.
Em silêncio veio e em silêncio voltou.
Mantendo intacto o bate papo mudo dos 3 sujeitos escorados cada um em sua mesa no boteco.
A velha e surrada placa escrita NÃO ACEITAMOS FIADO estava ao lado de outra mais curiosa e menos comum que para ele fazia toda a diferença:
PROIBIDO MEXER NO RÁDIO.
Pensou imediatamente: Como não me afeiçoar a um boteco que justamente tinha o que ele mais precisava?
Também pensou em usar um clichê, supostamente cheio de estilo, e dizer que ANTES SÓ DO QUE MAL ACOMPANHADO, mas decidiu poupar o leitor, de preguiçosas linhas, ausente de qualquer princípio de depressão ou de bocejos.
Na verdade, queria apenas ficar quieto e só.
Afinal descobrir algum valor em sua própria companhia foi algo que veio tarde, mas que avesso aos equilíbrios não soube dosar.
Ou era farra ou reclusão.
Um dia, quem sabe em outra vida, saberia quando cada um se faria necessário ou mesmo complementar no Quem sou eu?
Ao fundo ouvia Sergio Sampaio falando que queria colocar seu bloco na rua e lembrou que já foi assim, daqueles que por onde chegava se aglomeravam vários em sua volta.
Hoje fazia questão de ficar nos fundos do barzinho, onde a música chegava baixinha, quase aos sussurros e o garçom podia identificar só de olhar quando ele precisava de outra dose.
Tudo justamente na hora que decidiu pensar na própria vida e o que estava fazendo dela.
Se é que havia algo ainda a ser feito.
Em casa, com o barulho incessante da família era impossível ouvir seus próprios pensamentos.
Sempre havia uma solicitação ou um chamado pelo seu nome.
Por muito tempo gostou de se sentir importante para todos que ali moram, já hoje deseja apenas trocar de nome e se puder de cidade também.
Pensando bem, não bastaria.
Teria que mudar de rosto ou de país, mas com o que tinha no bolso chegaria em Madureira ou encomendaria a saideira.
Ou um ou o outro.
E assim se viu preso mesmo sem algemas.
Na movimentada rua do subúrbio carioca se misturavam os berros dos ambulantes, das freadas bruscas de carros esfumaçados e dos carregadores de bolsas de compra do mercado popular.
Curiosamente quando entrava naquele velho boteco de paredes azulejadas o barulho desaparecia por completo e era substituído pelo intocável rádio.
Parecia algum tipo de mágica ou era uma percepção clara que mesmo ali o barulho ainda era menor do que em casa.
Neste momento conseguia ouvir Oswaldo Montenegro pedindo para fazer uma lista dos amigos que já não via mais.
Resmungou/respondendo mentalmente que já nem sabia se tinha mais algum ainda vivo e deu de ombros quando foi perguntado dos sonhos e se ainda conseguia se reconhecer.
Porra, Oswaldo! Não cava mais nessa cova.
Pensou levemente como seria bom ouvir Cartola depois de tantos anos:
“Deixe-me ir, preciso andar,
Vou por aí a procurar, Sorrir pra não chorar…”
Mas se tocasse O Mundo é um Moinho…
“Preste atenção, o mundo é um moinho.
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó…”
Melhor deixar como está.
E assim entendeu o motivo da placa.
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