Quando Foi Mesmo Que Esquecemos De Ser Estrelas?

mariogarciajr
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readMay 8, 2020
Photo by Zoltan Tasi on Unsplash

Parece que foi outro dia. Uma menina me disse que eu era uma estrela. E que subia. Uma estrela alta e brilhante, mas em rota de colisão com a vida. Hoje eu olho pelo retrovisor e vejo tudo o que tinha. Será que você também enxerga? Ou esta viagem é só minha?

Lembra que a gente costumava sair? Sem ter onde ficar. Sem hora pra voltar. Lembra como a vida sorria? E às vezes, no final da noite, estampando o último brilho das estrelas, até chorava. Só pra fechar nossos olhos, lavar nossa alma. Parece que foi ontem. E, ao mesmo tempo, parece que foi há tanto tempo. Às vezes até me esqueço. Nem parece que fui eu. Preciso de uma foto. Uma música. Um cheiro. Um filme. Para ter certeza. Agora me encaro e não reconheço nada. Sou outro eu. Uma espécie de trincheira onde me mantenho escondido de mim mesmo. Não queria ter precisado guardar aquele outro eu. Não queria. Mas permiti. Não lembro em que ponto me perdi de mim. Em que lugar da fronteira entre a partida e o aqui eu resolvi fugir, deixar-me escapulir?

E de repente hoje, grudado em películas antigas, arrodeado de cores sóbrias e sombrias, viajando em sons de músicas que julgava perdidas, me lembrei. Lembrei e senti saudade de tudo o que eu vivi. E tudo o que eu nunca vi. E aí deu vontade de dormir. Parar de escrever e ir dormir. Talvez me perdoando pela indelicadeza que cometi comigo mesmo de não ter morrido cedo. Talvez consolado pela descoberta de que ainda é muito cedo. Dá tempo! Dá tempo?

Foi outro dia. Uma menina me disse que eu era uma estrela. E que subia. Uma estrela alta e brilhante, mas em rota de colisão com a vida. Acho que foi um segundo antes de me chocar inevitavelmente com ela, a vida, que esqueci de tudo o que era. Para que a colisão não fosse percebida, ou sentida. Talvez amanhã eu acorde de novo estrela. E encontre uma rota menos suicida.

Salvador, junho de 2004.

* Levemente inspirado nos sentimentos que tomaram conta de mim logo após eu assistir ao filme Cazuza — O Tempo Não Para.

--

--