Recém-nascida para a coragem

Relato estritamente pessoal na tentativa de expressar o que se passa pelos meus olhos desde meu renascimento

Yaisa, Ndaluuateme
Revista in-Cômoda
2 min readJun 12, 2019

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(Colors of the Sacred) is a collection of watercolors made by argentinian artist Carybé (1911–1997)

Hoje foi mais um daqueles dias em que eu pensei duas ou três vezes se deveria colocar os pés para fora de casa e enfrentar mais um dia do dia-a-dia. Como ser ainda em formação e com poucas semanas de nascimento, devo assumir que há momentos em que eu só quero fechar os olhos e acordar novamente dentro do útero que tornou-se para mim o lugar mais seguro.

Após várias tentativas de despir-me, tirar o pano branco da cabeça, os panos que cobriam meus braços e pescoço e meus fios-de-contas, já estava no meio do asfalto indo em direção aos olhares indiscretos e sussurros explícitos. Desviando-me dos que de mim desviavam e com o olhar nos pés, que tranquilamente não andavam rápido o suficiente para me dar impulso a me desgrudar do chão e me fazer ganhar asas e voar.

Meu coração pulsava a todo estante, na intenção de mostrar-me que eu estava muito bem acompanhada e apesar das ameaças externas, eu estava segura. Meu coração tentava me mostrar que apesar de estar com os pés no chão, estava sendo levada pelos braços de quem me trouxe ao mundo, tão protegida que eram dispensáveis as tentativas de olhar nos olhos de qualquer outro ser humano a minha volta na tentativa de mostrar-me ao ataque ou defensiva.

Eu era mais uma caminhando pelas ruas, desviando-me das pessoas, enquanto o meu coração lutava a favor da minha mente, tentando derrubar o medo que surgia toda vez que alguém cruzava meu caminho pronto para devorar minha coragem e tentando manter minha mente firme e por si só conseguir barrar qualquer distração; qualquer distração que fizesse com que eu esquecesse, por instante que fosse, do meu propósito ali.

Coragem. Coragem para encarar o que a vida apresentar para cruzar meu caminho, agarrei ao meu propósito novamente e convencendo-me de que não poderia sair largando-o por aí. Eu não poderia deixar a coragem escapar de minhas mãos a cada desafio que eu tivesse de encarar. Sendo carregada pela força de meu ancestral, com meus próprios pés, eu caminhava de mãos dadas com a coragem enquanto erguia meus olhos para enxergar além do que os olhos dos que me abominavam tinham para me oferecer.

Ergui meus olhos para olhar sorrisos, que de tão grandes ultrapassavam a barreira do meu olhar de canto dos olhos e davam as mãos para a minha coragem a cada Mokoiu, Kolofé e Motumbá.

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Yaisa, Ndaluuateme
Yaisa, Ndaluuateme

Written by Yaisa, Ndaluuateme

Fragmento de lava que surgiu no instante em que, em mim, o primeiro vulcão entrou em erupção. Minha poesia pode não ser muito fácil de engolir.