SABEDORIA DA PINTURA
21–9–17, sp
Eu não dormi a noite, sabe? Porque eu levanto as quatro e meia pra ir pro serviço e deu onze horas tava um a zero pro Corinthians e eu vendo o jogo, e eu sou corintiano, sabe? Era onze horas e eu tava vendo o jogo e tava um a zero pro Corinthians aí eu pensei vou dormir, mas quando eu pensei em ir dormir eles fizeram um gol, e o Corinthians tinha um e eles fizeram um e então ficou um a um. Aí eu disse nossa mãe, e fiquei assistindo, e deu onze e meia, quase meia-noite, eu tava cansado mas queria ver, aí acabou o jogo e eu acordado e aí eu pensei tá tarde, e olhei a hora no relógio. Ele olhou para o pulso com o relógio digital preto de plástico, eram dezessete e cinquenta e um. Aí tava tarde e eu pensei quer saber? Não vou dormir. Mas eu tava cansado e deitei, mas aí deu uma, deu duas, deu três, quatro horas e eu levanto as quatro e meia pra trabalhar, sabe? Eu sou pintor, aí eu pensei não durmo mais.
Ele tomou um gole do líquido turvo que estava dentro do copo americano e depois colocou o copo americano de volta no bacão, bem em cima da marca molhada que esse mesmo copo já tinha formado.
E pra subir na cadeirinha? Nossa, eu tava virado, olho vermelho, e pra subir a gente tem uma regra, não é uma regra, é que a gente aprende sendo pintor, sabe, a gente aprende, a gente aprende coisa com bombeiro também, mas a gente aprende com pintor antigo que não pode olhar pra baixo quando sobe na cadeirinha, aí eu olhei só pra frente e fui subindo. Aí tem um colega, um fulano lá, ele é corintiano também, e ele falou pra mim ô pernambuco, como que foi o jogo ontem, você viu? Aí eu disse que perdeu. Empatou, corrigi, e ele tomou outro gole da bebida. Empatou, é, aí ele ficou puta merda, aí a gente ficou lá na cadeirinha, balançando lá em cima, eu quase dormindo. Hoje tem jogo, né?
Tem, respondi, e ele passou a mão esquerda no rosto e tinha tinta nos seus dedos.
É, tem que ganhar. Acho que não vou ver, porque eu levanto as quatro e meia. Mas talvez eu veja. Ruim é pra subir na cadeirinha depois.