Sambando em chamas

Júlio Carvalho
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readSep 26, 2023
Image by Herbert from Pixabay

Um dia, desatei meu afeto em versos de poesia
O meu penar, embebido de ilusões,
Em tom menor vertia as canções
De um desvairado que corria pela rua, sem saber o que fazia

Com o peito sambando em chamas
Cantei Cartola pra não sucumbir
Sem afago, cigarro ou esperança
Guardei rascunho no bolso e me perdi
Como tu em outras tramas

Nas entrelinhas do não dito
O escrito sumiu num grito
Fugiu intrincado como valsa cigana
Na campana de uma viela
Beco, aresta ou favela
Não se sabe
Fez morada nas ladeiras ou num suspiro que arde quando a saudade inflama

Foi encontrado amassado,
sujo, torto, amarelado
Tal qual o gosto da madrugada que passara
Amparado pela alvorada, um bêbado achou os versos
Lembrou de seus afetos
Mas riu com desdém e fez piada, sem saber do que falava

Jogou as palavras ao mar como se fosse um arpão
Inquieto, louco e controverso, o verso se rebelou
A liberdade, então, aspirou
Feito preto no grilhão

Meu verso fugiu de mim por ser de todos
Dos fracos, pueris
Dos quentes e dos frios
Dos bohemios, dos vadios
Pra não dizer dos tolos

Feito andaluz, dispara feito bala
Invade o sótão e a sala
Alicia a malícia e descompassa o coração
A dona Razão se viu encantada
Pela fé embalsamada
E o ateu, nem percebeu, mas perdeu-se em oração

Os que pensam que são fortes
Na verdade só têm sorte
Pois o sol na calçada afia a sua tez
E aquele que com ele não tem se deparado
Aguarda, alegre e enganado
Feito rebanho no pasto
Chegar a sua vez

15.06.2023
#Poesia Brasileira #Poetas da Bohemia

--

--

Júlio Carvalho
Júlio Carvalho

Written by Júlio Carvalho

Espaço de pequenos ensaios e reflexões. Dos pensamentos miúdos que poderiam se perder por aí. Temas sobre história, política, poesia e afins. _Historiador