Semana 4 —Gangorra

Izabel da Rosa
Revista in-Cômoda
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4 min readApr 25, 2020
Photo by Marcus Dall Col on Unsplash

E um mês se passou. Incrível, a afirmação que coloquei em cartaz na parede da cozinha faz muito sentido “tudo passa!”
Encontrei um certo equilíbrio, já posso dizer que tenho rotina. Já não me atrapalho tanto com a cozinha e outros afazeres domésticos. Tenho alguns fornecedores, e no meu prédio, os porteiros já não estranham em me ver pelas câmeras chegando ao depósito de lixo pela escada, depois de descer dezesseis andares. E a subir os mesmos 272 degraus. Isso mesmo. Não consegui contar, precisei da ajuda da calculadora. É um exercício a mais. Sou tão resistente a me exercitar sozinha.

As aulas de yoga on line são uma benção. A sensação de pertencer a um grupo, de conviver e participar da prática intensa me dá motivos para eu estar bem nas terças e quintas feiras.
E inventei contatos online com meus irmãos, aproximei-os da tecnologia. E voltou a alegria dos sorrisos, das abobrinhas faladas e não apenas escritas no grupo dos irmãos, o Roseira. Momentos significativos repondo as trocas que foram suspensas. Até fizemos um chima, o nosso chimarrão. Cada um em sua casa. Pena que ainda estamos no whatsapp e não conseguimos reunir mais de quatro por vez. Vamos nos alternando.

E houve momentos em que uma sensação grande de aturdimento e impotência tomaram conta de mim. As ações desastradas de nosso governante, a desconfiança das pessoas de que tudo é uma farsa para favorecer não sei quem e que devemos ir para a rua.
O relacionamento com meu filho também seguiu essas subidas e descidas. Moramos juntos há trinta anos — desde que ele nasceu — mas estávamos mais distantes. Agora, vinte e quatro horas na mesma casa, expõem as diferenças de atitude, de opiniões. Ele é um adulto e muitas vezes encara como intromissões atitudes minhas que são apenas cuidados de mãe.
Evito exigências, não declaro minha necessidade de atenção, mas sei que falo demais nos nossos almoços, exponho para ele, mais claramente, o meu medo.
Nos outros contatos me mostro mais equilibrada, levo a minha face madura e sensata, pois assumi esse papel de dar apoio e as pessoas já esperam isso de mim. Às vezes ele se afasta, não me entende, contesta. Depois nos aproximamos. Nos fins de semana quando ele vai para a casa da noiva, sinto alívio. Sei que ele estará melhor e, apesar do silêncio na sala vazia, vou estar bem. Então me ocupo com a limpeza da casa, tomo vinho na hora do almoço, vejo todos os filmes que gosto.

Vivi uma experiência muito gratificante esta semana. Uma moça que mora em Taiwan, do outro lado do mundo, 23 horas à frente no dia me contatou. Ficamos no mesmo apartamento quando fiz o curso de inglês em Malta. Tem vinte e oito anos. Tínhamos o mesmo nível de inglês, ela, com seu lindo rosto de boneca asiática e um comportamento moderado, gostou da minha alegria brasileira, da minha madura conversa.
No contato de agora, acabou confessando estar com problemas na família, no trabalho e vivendo as dificuldades da pandemia.
Eu a apoiei, me esforçando para vencer as dificuldades do idioma, do meu desconhecimento sobre sua cultura. E, com alegria, percebi que a ajudei. Seus retornos diários, a minha compreensão sobre seus problemas me mostraram o quanto — nós humanos — somos parecidos, apesar das distâncias no espaço e na cultura.
Até me desafiei e passei para o inglês a meditação que veio do espanhol, depois em áudios em português acalmou e estimulou minha família e amigos e agora irá acalmar uma linda taiwanesa.
Uma alegria ver que ela recebeu bem. E ver esse meu papel de tia querida sendo reproduzido em outra língua me fez superar a sensação de inutilidade e desimportância que algumas vezes me aflige.

Meu filho vai ficar na noiva até quarta feira desta nova semana. Nunca eu tinha passado tantos dias sozinha em casa. Literalmente em casa, sem sair.
Ontem dei uma fugidinha! Levei uma muda de flor pra uma irmã que vive só, e um poncho que comprei na Índia e que era pra meu irmão mais velho. Tudo aconteceu tão rápido que eu ainda não havia entregado.
Ficamos conversando de longe e levei bronca ‘ vc tá saindo demais’. Eu? Nem no mercado eu vou! Recebo as coisa na porta, lavo tudo em um ritual absurdo.
Ao mesmo tempo fiquei tocada com a preocupação dele. É bom me sentir cuidada.

Durante a semana pedi a uma querida amiga costureira que fizesse trinta máscaras brancas e cru. Quero doar para meu filho mais velho. Ele continua trabalhando e me preocupo. As informações que ele me dá são poucas. Não sei se está se protegendo bem. Quero fazer a minha parte e deixar com ele essas máscaras, poderá distribuir entre os colegas mais próximos. Sinto muita saudade dele. É muito carinhoso e sempre esteve presente, pois não mora muito longe. Seu sorriso, seu carinho me fazem muita falta. Some-se a isso, a necessidade de não dar palpites sobre suas decisões. Nos fins de semana ele vai para a praia. A namorada está na casa dos pais, que vivem lá. Não sei se é uma atitude correta, mas a decisão foi dos dois. Mais um aprendizado, não emitir opinião em assunto do filho.

Entendo agora porque algumas pessoas se recolhem quando não estão bem. Tenho feito isso. Às vezes, nos dias em que mais preciso, são os que menos procuro as pessoas. Aprendi a doar minha atenção, mas ainda tenho muita dificuldade em pedir por ela.
Tenho muitas coisas para aprender, ainda nesta fase da vida. E estou aprendendo.

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Izabel da Rosa
Revista in-Cômoda

Eu não tenho os pés no chão tenho uma ânsia de asas entregues à correnteza das palavras que me visitam e contam coisas que só sabem os que sentem.