Será que Walter Benjamin gostaria de Barões da Pisadinha lo-fi?
O grande pensador alemão, que contribuiu imensamente com o debate dentro da Estética e da sociologia da arte, acerca dos produtos de massa e das vanguardas tecnológicas de seu tempo — como a fotografia, o cinema e a rádio — não teve a oportunidade de viver a verdadeira revolução midiática que aconteceu com a ascensão dos meios digitais.
Suas reflexões acerca da reprodutibilidade técnica dos produtos culturais caem como uma luva nos dias atuais, o que faz do Benjamin um teórico que beira o limite do seu tempo, projetando-se algumas décadas a frente e prevendo a importância da tecnologia nos modos de percepção da sociedade.
Ao reproduzir os produtos artísticos, aproximá-los de si, e consequentemente destituí-los de sua aura, abre-se espaço para uma nova relação com a arte. Benjamin fala de uma recepção mais distraída, que não se dá pela contemplação e atenção total naquilo que se frui, mas sim no hábito.
Partindo dessa ideia, quero pensar um pouco sobre esse primoroso produto de mídia: “Barões da Pisadinha lo-fi”. Para mim, um epítome da era da obra de arte montável. Na cultura digital, onde existe o “Ctrl C e Ctrl V”, a reprodutibilidade técnica é parte constituinte do universo virtual, e obviamente, dos produtos de mídia oriundos desse cyberespaço. O desmoronamento das fronteiras culturais, linguísticas e de formato, criaram uma arte híbrida e formatável. O produto a que me refiro é um exemplo desta arte. Um conteúdo audiovisual composto por uma remontagem de sons ( um remix) e uma remontagem de imagens. Irei analisar cada parte e posteriormente o conjunto. Mas antes, aprecie essa obra de arte:
A parte sonora é um remix de uma música da banda “Barões da Pisadinha” adaptado a um gênero musical que se convencionou chamar como lo-fi hip-hop. A música original é um típico produto de massa, de uma banda que atingiu popularidade dentre diversas camadas sociais e segue padrões de temática e estéticos já bem estabelecidos pela indústria cultural. O lo-fi é um gênero que se desenvolveu nos últimos anos que consiste basicamente em beats em baixa fidelidade, que reproduzem um certo sentimento de nostalgia e calma, com um teor de ambientação ou ruído branco.
A parte visual consiste numa montagem de cenas desconexas da animação cowboy bebop. Essa animação é uma produção japonesa dos anos 90, aclamada pelo público, e que apresenta um cenário futurista espacial, no qual as personagens vivem suas tramas pessoais como caçadores de recompensas.
A união de tudo isso cria um deslocamento de percepção que é difícil de pôr em palavras. Os elementos que compõe a obra são oriundos de culturas muito distintas, é uma animação japonesa, com elementos espaciais, atrelado a música brasileira e sua temática de relacionamentos conturbados (A famosa sofrência), e uma ambientação atrelada ao hip-hop, expressão de origem norte-americana. Os elementos não necessariamente dialogam entre si. A letra da música, a princípio, não segue a narrativa visual, o fundo sonoro parece descolado da mensagem verbal, é tudo muito estranho, e incrivelmente bom.
Como Benjamin já colocava, a postura contemplativa, reflexiva, não parece ser a ideal para fruir esse tipo de mídia. É algo para se consumir na distração, no hábito. O próprio conjunto amorfo de referências e símbolos (que significam tantas coisas que acabam não significando nada), torna-se habitual nesse espaço. Tentar racionalizar essa sensação parece uma tarefa complicada, por isso não é possível explicar “Barões da pisadinha lo-fi”, é preciso apenas sentir.