Seus medos de hoje serão vencidos… por medos ainda maiores

Tiago da Silva
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readMay 30, 2018

_ Mas, pai, o senhor não tem medo do escuro?

_ Não, filha. Na vida adulta a gente deixa esses medos pra trás.

_ Como?

_ Medos maiores chegam e fazem os anteriores parecerem bobos.

_ Então, do que o senhor tem medo?

_ A lista é muito grande, filha.

A lógica da superação dos medos, não por você, mas por outros medos, funciona assim: você é uma criança e tem medo dos possíveis monstros no armário. É um medo autêntico, genuíno. Aí o tempo avança e esse medo se torna bobo, porque surgem novos medos, medos maiores, como o de ser reprovado na 5ª série. Depois vem o de ter engravidado aquela guria no ensino médio. Depois vem o de perder a bolsa e não conseguir pagar a faculdade. E os medos vão vindo, cada vez maiores e, à medida que avançam, vão deixando um rastro de coisas apavorantes que já não apavoram tanto assim.

Adultos não têm medo de escuro ou monstros, os medos agora são mais da ordem de “Meu Deus, a água não tá descendo pela pia e acho que é vazamento, com infiltração, e vamos ter que que quebrar a parede… e vai sair caro.” Se eu tivesse que ter um pesadelo hoje, certamente seria com um encanador.

Existe o medo de uma relação acabar mal, de um ruptura com a família (muito fácil de acontecer, diga-se de passagem — basta um áudio infeliz no Whatsapp e a Terceira Guerra Mundial pode começar), de perder o emprego, de doença (em você ou em alguém que ama) e, claro, o medo de ter feito tudo, absolutamente tudo de modo absolutamente equivocado até aqui. O medo da velhice (não a velhice bacana dos comerciais de dentadura, mas a velhice cruel, com decrepitude e sem autonomia, solitária).

Um monstro no armário nem parece assustador diante de todas as possibilidades de problemas que a vida adulta nos oferece. Talvez ele até fosse alguém legal, alguém com quem se poderia conversar. Sobre medos.

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Tiago da Silva
Revista in-Cômoda

Às vezes me surpreendo com o que escrevo, porque não sabia que pensava assim.