Sob Minha Pele

mariogarciajr
Revista in-Cômoda
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3 min readMay 10, 2019

Guardo boas memórias em caixas floridas que ficam no canto de uma estante estampada no quarto dos fundos da casa. Memórias não foram feitas para serem expostas.

Guardo pessoas em telas coloridas que dão vida a aparelhos retangulares que andam comigo pra onde quer que eu vá. Pessoas foram feitas para nos acompanhar.

Guardo roupas em armários, chuvas em memórias, livros em prateleiras, festas em amnésias, panelas entulhadas, quadros em paredes, orgasmos e sonos e sonhos e insônias em camas acolchoadas e distintas. Mas você, você eu gosto de ter sob a flor da minha pele.

Entre a derme e a epiderme. Onde o tato é pura verve. Onde tudo faz sentido. É lá que sinto, sangro, vibro, tremo e arrepio. É de lá que tiro as sensações que causam dor ou dão prazer. Não há lugar melhor para guardar você.

O salão do hotel mais luxuoso da cidade brilha em dias de festa. As luzes dos lustres de cristais refletem nos vestidos brilhantes das mulheres extravagantes de toda a região. E eu prefiro ficar no balcão. Tragando um maço. Amassando as mãos. Prestando atenção. É por você que estou ali. Nunca fui de festas, de salões, de trilhas orquestradas, traje esporte fino, conversas desconcentradas ou sorrisos sínicos.

Gosto é de te ver de longo, de perto. Sentir seu cheiro, sua pele, sua respiração. Gosto é de te ter numa dança. Corpos colados, olhos em chama. Mirados um no outro, sem piscar. Nossas bocas por um suspiro de se encontrar.

Mas você não chega. Jobim toca e você não chega. Getz toca e você não chega. Cole canta e você não chega. Dean Martin, Sammy Davies Jr, João Gilberto e Burt Bacharach… trilhas e sons seguem desfilando sem você chegar. Um garçom se aproxima e oferece mais um scotch. Não quero. Um gim? Eu nego. Só sinto sede de você, que não chega.

Ouço o silêncio que precede o som. A voz de Sinatra invade o salão: I’ve got you under my skin. Sinto um arrepio me invadir. Eu sei. Você está ali. E eu preciso te encontrar antes da nossa música acabar. Antes que um aventureiro qualquer chame você para dançar. Eu fico na ponta dos pés, procuro entre corpos dispersos, percorro distâncias em segundos, eu bebo, me esquivo e tento, mas há um labirinto de casais em movimento.

Quando alcanço o centro do salão, encontro você dançando sozinha, esperando minha companhia, procurando minha mão. Aquela voz interior volta a gritar nos meus ouvidos: — Seu tolo, este jogo, você sabe que não pode ganhar. Tudo isso não passa de um sonho impossível de se realizar.

É só uma música, eu sei. Mas se não me desafio a correr o risco, jamais saberei. Entro na dança e você baila como uma pluma enquanto desliza em púrpura, com as costas nuas e olhos em riste, apagando da minha memória tudo o que já desejei. Agora só nós dois ocupamos aquele salão. Nós dois e aquela canção. Você impele a minha pele. Me rasga, me arranha, mas não me fere. Eu só quero continuar a viver tudo aquilo por um tempo que não seja tão breve. Mas nunca tivemos um bis.

Te encaro e te vejo por dentro. Respiro, suspiro e me atiro em seu pescoço. Rostos colados, no cheek-to-cheek eu faço seu jogo. De um lado para o outro. Mãos nas mãos entrelaçadas, vontades encadeadas. Parece que vamos nos soltar. Mas imediatamente puxo seu corpo, seguro na sua cintura, um rodopio novo e mais um arrepio na sua nuca. Nem tudo parece ser breve. Seu perfume não sai de mim nunca.

And each time I do, just the thought of you
Makes me stop just before I begin
Because I’ve got you under my skin
And I like you under my skin
I like you under my skin

A música chega ao fim. E como um estalo, seu corpo não está mais perto de mim. Mais uma vez sem bis. Nunca sei o rumo que você toma depois de nossas danças. Ajeito o terno, arrumo a gravata, vou para o bar, peço um gim. Coloco você de novo sob a flor da minha pele. Under my skin.

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