Sobre camelos, múmias, coragem e amor
Como servidor público, vejo as pessoas passarem pela minha sala à medida que as administrações mudam.
São como estações, vão sobrevindo e eu como um vampiro idoso as vejo passarem. Certa vez, há 5 anos, passou pela sala onde trabalho a menina que aqui chamarei de J.
Jota estudava Jornalismo, era na ocasião nossa estagiária, nosso bebê, tinha coisa de 21 ou 22 anos. Lembro que tirávamos sarro dela porque na época estava namorando à distância um rapaz egípcio. Dizíamos que ela seria uma das muitas esposas dele, ou que seria recrutada pelo Estado Islâmico, ou que tudo não passava de uma cilada e ela acabaria sendo traficada como escrava sexual. Essas piadinhas todas que se faz, bastante xenofóbicas. Era uma diversão pra gente.
A gente ria mas no fundo temia pela segurança dela. Mas a preocupação também não nos impedia de fazer piadas. A gente era muito filho da puta.
Jota não dava a mínima. Ela tava sólida com o boneco e já havia, inclusive, aceitado a religião islâmica. Na real, ela tinha — e tem — uma puta cara de iraniana, mesmo tendo nascido cá no Sul do Brasil. Mistérios de Dels…
Depois de um ano ou coisa assim, o rapaz (que nem tínhamos certeza se existia de verdade) pegou um avião e veio, conheceu a família, conheceu os amigos. Andou pela nossa cidade, que tinha muito pouco para oferecer em termos de atrativos turísticos. Ouviu todo nosso repertório de piadas infames sobre pirâmides, camelos, múmias e areia. E voltou pro Egito.
Tempo depois, Jota pegou o avião, se despediu de nós e foi. Apenas foi. Foi ser a esposa do cara que ela havia visto apenas uma vez na vida. Repito:
Ela foi ser a esposa do cara que ela havia visto apenas uma única vez em toda a porra da vida dela. De outro país, de outra cultura, com outra criação, tudo, tudo, tudo diferente.
Isso faz, tipo, uns 3 anos. E nesse tempo nos falamos esporadicamente, trocamos uns memes - que é como se expressa carinho hoje em dia.
Tínhamos, numa época, um grupo de Whatsapp chamado Pirâmides da Paixão — um excelente nome para uma novela dos anos 90, diga-se de passagem.
Hoje, Jota me mandou um PDF pra revisar, ver se o layout tava bacana e tal… e era um Diário. Um Diário de Gestante.
Como assim Jota? Tu vai dar cria no Egito?!
Eu nem posso descrever o quanto admiro a coragem desse casal. Puta que pariu, Jota. Puta que pariu. Parabéns.
Se for menina, deveria se chamar Nefertari, que quer dizer a mais bela, a mais perfeita. Como a história deles.
Que amor.
Se você gostou do texto, dê a ele de 1 a 50 aplausos clicando nas mãozinhas no final do texto ou ao lado dele. Quanto mais aplausos, mais as histórias se destacam.