Sobre escalas e cantos que esperam respostas
Diante da vastidão do céu ou do mar, costumamos sentir uma pequenez contemplativa, que se revela pela comparação de nossas ínfimas dimensões em contraste com os protagonistas de um horizonte à beira mar. Isso é bom, pois é fácil se perder em infinitos particulares, e do alto de nossa arrogância nos centrarmos em um universo que circunda apenas nossos umbigos.
A chave para esta sensação de miudeza encontra-se nas escalas, visto que, a insignificância de nossos íntimos mundinhos só se anuncia perante proporções intangíveis, seja de tempo ou espaço. É importante fazer este exercício de se perceber enquanto ser inserido em extensões que superam nossa capacidade de apreensão espaço-temporal, ainda que não seja possível ter uma experiência sensorial desta comparação.
É tudo uma questão de escala. A proporção que nos separa do tamanho de uma baleia não é nada, se comparada à vastidão do oceano. Baleias são mamíferos marinhos de dimensões avantajadas; uma baleia azul pode atingir até 30 metros de comprimento. É dela o posto de maior animal do nosso planeta, e ainda assim, se tornam criaturas exíguas em meio ao monstruoso volume de seu habitat.
Apesar da distância evolutiva que nos separa, como nós, elas são animais capazes de vocalizar. Baleias não voam, mas tal qual um passarinho, podem cantar. E para que seu canto cruze as distâncias necessárias abaixo d’água possuem poderosas vozes. As vocalistas mais potentes da grande ópera marinha podem ser ouvidas umas pelas outras a mais de 800km de distância, e desta maneira espantar a solidão, pois sabem que há outras semelhantes a si no coral mais ruidoso do mundo.
Exatamente, o coral mais ruidoso do mundo, no qual cada integrante pode atingir 188 dB de volume[1], para nós soa mais silencioso que um sussurro, pois todo o som é engolido pela vastidão oceânica.
A mais solitária das baleias também cantava. A 52 Hertz — apelido dado por conta da frequência do som que emitia — foi um espécime de baleia detectado no Oceano Pacífico, no final dos anos 80. Não se sabe ao certo a qual gênero de baleias ela pertencia; embora suas rotas coincidissem com as das baleias azuis, tudo indica que sempre viajou só. Sua maior particularidade era seu canto. Enquanto outras espécies atingem entre 15Hz e 20Hz, sua vocalização encontrava-se numa frequência bem mais alta, além de possuir padrões únicos de tempo e repetição.
Os cientistas do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, que captaram seu canto, especulam que ela poderia ter sofrido alguma mutação, má formação vocal ou até mesmo ter sido uma espécie híbrida. Porém, há também a hipótese de que, na realidade, a 52 Hz tenha sido uma baleia surda. Os mamíferos marinhos possuem sentidos limitados. A visão é prejudicada pela ação da água na refração da luz, o olfato também não é dos mais apurados, restando a audição como a principal ferramenta de comunicação entre estes animais.
Tomando a hipótese da surdez como verdadeira, o silêncio do Pacífico para essa baleia torna-se imensurável. Nas profundezas frias, por mais alto que a 52 Hz cantasse ou clamasse jamais poderia saber se estava sendo ouvida. Seus chamados continuaram perdendo-se no vazio das águas até 2004, sem nunca obterem resposta.
Triste fim para a 52 Hz… E quanto a nós? De certa forma, somos tão solitários quanto ela. Embora sejamos deveras barulhentos, para fora de nosso pequeno planeta nosso ruído não ressoa. Emitimos todos os dias um amontoado de ondas de rádio em direção ao universo e recebemos pouco ou quase nada como retorno. Não sabemos se “cantamos” na frequência certa, não sabemos se há algo que nos ouça, nem sabemos se seríamos capazes de entender a resposta da “plateia”, no caso de existir uma.
A questão da escala a que me referia, me fez refletir que quanto menores nos percebemos, maiores se fazem as distâncias; e quanto mais distantes nos encontramos mais difícil se torna de alguém nos ouvir.
No oceano de astros e planetas o silencio profundo do Pacífico soa modesto. Não adianta tentar ter uma experiência sensorial desta comparação, são sensações que escapam aos sentidos. É impossível não se abalar ao pensar com seriedade na vastidão do universo, baque ainda maior é notar que podemos estar sozinhos.
Assim como a 52 Hz, somos únicos. Um minúsculo pontinho perdido num sem fim. Mas estamos vivos e seguimos cantando. Resta a esperança de que alguém, em algum lugar, nos ouça e possa, quem sabe, cantar de volta.
[1] 140 dB é o limiar sonoro de nossa capacidade auditiva, acima disso o som nos causa dor