Talvez

Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda
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2 min readJul 29, 2020

Voltamos no tempo. Mil novecentos e bem antigamente. Devia ter uns 14 anos, talvez 15. Não lembro muito bem a idade e pouca diferença faz. Minha autoestima ficava encoberta pelas espinhas espalhadas no meu rosto. Não era uma aqui e outra acolá. Era uma por cima da outra. Por mais que fosse comum, todos os meus amigos sofressem dessas malditas acnes, aquilo me incomodava demais. Principalmente quando nascia no meu nariz, que, convenhamos, já é um pouco avantajado.

Sorte minha que as espinhas chegavam e saiam com uma rapidez absurda. Isso me tranquilizava e não me deixou com nenhum trauma. No máximo, com algumas marcas no rosto uma aqui e outra acolá. Nada que um filtro ou limpeza de pele, vez ou outra, não melhore bastante.

Voltando pra adolescência, tinha uma menina, que óbvio não vou falar o nome, achava muito bonita. Embora ela não soubesse, era a minha paquerinha. Ela era um tiquinho mais velha, simpática e dona de um sorriso maravilhoso. Não vou me estender muito nos elogios para evitar problemas com a minha esposa.

Um belo dia, conversando com ela de madrugada, em uma dessas salas de bate-papo, soube que iria viajar com a família. Passaria uns 15 a 20 dias fora. Fiquei chateado com aquela notícia, justo na época que estávamos mais próximos e talvez eu tivesse alguma chance. Ou talvez fosse só coisa da minha cabeça. Ou talvez aquela viagem tenha sido a salvação para eu não levar um tremendo pé na bunda.

Não satisfeito com os sinais que a vida estava me dando, bolei uma estratégia para dar em cima dela, sem dar em cima ao mesmo tempo. Sei que ficou confuso, então deixa eu explicar melhor como foi a minha estratégia. Como sabia que ela iria viajar, a convidei para ir ao cinema, justo no dia do seu embarque. Óbvio que ela não iria, mas pensei: quando ela retornar, pode me convidar. Otimismo é uma moeda rara.

Ela viajou, voltou e nunca me convidou para ir a lugar nenhum. Talvez estivesse esperando um novo convite. Talvez tenha sido melhor eu nem tê-la convidado para ir ao cinema no dia da sua viagem. Talvez eu deveria ter convidado para ir ao cinema um dia antes. Não sei dizer. Acho que talvez nem ela também sabe.

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Emmanuel Brandão
Revista in-Cômoda

Redator, publicitário, jogador e metido a escritor. Autor do livro de crônicas: Blá Blá Blá.