Tempestade
Queria gritar para ela sair dali.
Saia, menina, não está vendo a chuva chegar?
De longe, prostrada em minha janela, percebo que ela jamais me escutaria. Brinca, distraída, sem olhar para o céu, seus olhos só veem o chão e os riscos de uma amarelinha desbotada que ninguém mais pulou. Sua solidão é palpável, quase posso senti-la chegar até mim junto com os primeiros pingos da prometida tempestade. Do lado de dentro, também está nublado.
Penso em fechar a janela, mas estou presa a olhar a menina. Por que ela não se assusta? Por que os raios e trovadas que sobrevêm não conseguem alertá-la da necessidade premente de ir embora? Ela não consegue ver que é hora de se retirar?
A chuva resolve cair com força e percebo que nada vai abalar a brincadeira da menina. Sua saia vermelha está encharcada, mas ela continua pulando. A força da lembrança me solavanca, a saia que não era vermelha e que não disfarçava a sujeira. A tempestade que chegou violenta. A apatia que me tomou, o arrependimento de não ter ido embora quando os primeiros raios anunciaram.
Diferente da menina, naquele dia eu não estava sozinha. Ainda assim, não percebi a chuva começar a cair. E se alguém tivesse gritado? E se tivessem tirado de cima de mim aquela tempestade que me assolapou sem que eu percebesse seus sinais? E se eu tivesse tido a oportunidade de fugir antes que terminasse encharcada de líquido e sangue e lama e tudo mais que tinha saído de mim e da tempestade e do trovão? A voz do trovão. A força, a dor, o medo, o nojo. O frio.
Grito forte: vai embora, menina! Corre!
Ela olha na minha direção, não consegue me ver. Não sabe de onde vem o grito.
Corre!! — grito de novo, mais alto. Ela sente medo. E corre. Espero que para sempre. Espero que para longe.
Fecho a janela e aguardo a tempestade passar.