teto aceso

adel barros
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readDec 9, 2021
“For What It’s Worth” por Clifford Prince King

tudo o que vejo são cores leves do teto que nem queria me dar o luxo de descrever. sei que são em tons que me fazem sentir o toque daquele final de tarde.

afogado na janela do entardecer, carbonizado por sol. vejo amarelo, bege, areia, fecho os olhos, escuros tons, belo breu, tem muito eu – cinco e meia da tarde meu eu me rejuvenesceu.

deitado acordado, vejo o vento que balança tudo ao redor em um frescor que antecede a noite. aquela noite.

depois de tomar consciência de mim mesmo, em meu mais íntimo espaço singular, sozinho, vejo em reflexo um corpo despido em meio a lençóis claros.

ao levantar, vou direto ao encontro do espelho da penteadeira para lembrar do que havia esquecido.

de primeira vejo olhos escuros – um céu sem estrelas e sem uma gota de esperança. enquanto isso, segue-se com jill scott no recinto, o nó na garganta se fecha, a voz dela dá brecha, me deixando em um balanço de festa, em sincronia com aquela que diz…

you tease me, you please me, you school me, give me some things to think aboutignite me, you invite me, you co-write me, you love me, you like me

as mãos se esvaem na raiz do cabelo, juntando cachos enrolados no topo da cabeça, no ritmo e no blues – uma imagem desnuda dançando na frente do espelho, como uma chama de uma vela acesa há algumas horas.

provocando. agradando. ensinando. dando algumas coisas para pensar. incendiando. convidando. co-escrevendo. amando. gostando. derretendo aos poucos.

distante de tudo e de todos, não no recinto, sinto comigo em minha mente o infinito nesse singular e bonito implícito, dito e conhecido como paz de espírito.

não é só um homem negro ouvindo blues em quarto qualquer. e nem solitude proposital ou radical.

e não há um dia sequer que isso não venha a ser sobre se sentir longe e desconectado do mundo aberto aí fora – mesmo que tudo perto esteja ou não, conectado ou não, como se deseja ou não.

por fim, veja: é minha alma que veleja. eu peço sempre para que em movimento ela esteja – como correm no teto essas luzes acesas.

--

--