Unhas
Minhas unhas estão com as cutículas ruídas pelo corte do caos. Em volta delas ornadas por um seco rudimentar de nervos. Vejo-as além da pelugem de pele grudadas na carne dos dedos comuns. São comuns como as mãos dos escravos do trabalho; como dos sem-teto que, sem flechas para o flanco da carne fincar, caçam a coleta das latas a troco da fome engolir. Meus dedos estão quebradiços em retilínea disformidade de ser. Há o esmalte sem cor pintado na superfície dos ossos que dão o vazio das pontas. Tenho vontade de caramelizar os dedos com o açúcar vermelho pingado de suas laterais. Quero exaurir tudo o que sai dos poros com a faca dentária, liberando-os do sentido de serem dedos. Tenho um piano de notas somente lúgubres, e a minha assombração com a mão nua em esquelética fantasmagoria, dá-me a sonata da morte. Nunca senti a ventura do suor do amor feminino apertar a polpa da minha mão. Tudo o que senti foram sal e álcool em feridas abertas que queimam o tempero da existência. Deitei as mãos num chá de ervas a fim de borbulhar as impurezas nesse mar quente.
O tempo passou, as unhas estão normais, e o inchaço, tornou-se somente memória.