Vá para o inferno!
Djalma era um menino engraçado, diziam seus pais. Era conhecido na escola e na vizinhança por sua célebre incapacidade de abstração. Para Djalma não havia sarcasmo ou força de expressão – era tudo na lata.
Cuidado ao falarem com Djalminha, alertavam seus pais. Muito cuidado…
Seus pais que, por sinal, já haviam passado por poucas e boas. Uma vez, quando mandaram Djalma catar coquinho, o moleque só foi encontrado cinco dias mais tarde enquanto tentava trepar num coqueiro em Ilhabela, sabe-se Deus como fora parar lá sozinho. Em outra ocasião mandaram Djalma para a puta que o pariu, o que lhe rendeu um mês de castigo, sem Playstation nem televisão. Sem contar as inúmeras horas que ele já passara à procura de uma série de pessoas na esquina. Com muita sorte ainda não mandaram Djalma se foder.
Certo dia, na escola, a professora de artes avisou que a aula consistiria em um trabalho de colagem em dupla. Djalma e Matheus olharam-se e escolheram-se mutuamente, os dois nunca desgrudavam, eram carne e unha.
As coisas estavam indo bem até que surgiu um impasse: Djalma queria colar uma imagem do Wolverine acima da palavra “herói”, enquanto Matheus estava convicto de que era o Homem-Aranha quem merecia o posto. Como as vias da diplomacia não funcionaram (elas raramente funcionam na infância), Matheus mandou que Djalma fosse para o inferno.
Inferno?, pensou Djalma. Logo ele, um menino tão bonzinho, que frequentava a igreja todos os domingos e nunca fizera mal sequer a uma formiga! Djalma percebeu que, se morresse naquele exato momento, entraria no céu sem nem passar pelo aval de São Pedro. A não ser que…
Tem certeza?, perguntou Djalma, apreensivo.
Tenho! Vá-para-o-inferno!, repetiu Matheus, estirando a língua na direção do amiguinho.
Tá bom então, suspirou Djalma.
A professora de artes ouviu um grito e correu para ver o que estava acontecendo, mas já era tarde demais.