Vacina da Popularidade

Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda
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4 min readMay 10, 2018

No palácio do Jaburu, deitado em seu caixão, Temer vê um telejornal. A notícia é sobre uma nova gripe que vem se espalhando pelo país:

— Até agora, o vírus já fez mais de duas mil e quinhentas vítimas em todo o Brasil… e a população está superlotando os postos de saúde em busca da vacina…

Temer revira os olhos, com desdém. Muda de canal. Em outro noticiário, vê uma notícia sobre sua popularidade:

— De acordo com a pesquisa, 97% dos brasileiros estão insatisfeitos com o atual governo. E esse número não para de crescer…

O presidente aumenta o volume da TV e se senta no caixão, agora com a testa franzida. Preocupado, ele pega o celular e liga para o chefe de sua assessoria:

— Gadelha, sou eu. Saporra tá grampeada não, né?

— Relaxa, presidente. Tá limpo.

— Quero a equipe toda reunida na minha sala. Vocês têm dez minutos.

Temer desliga a ligação. Num ataque de fúria, arremessa o celular contra a TV. Minutos depois, na sala principal do palácio do Jaburu, conversa com a equipe de assessores andando de um lado pro outro:

- Eu tirei esse país de merda da crise, liberei a porra do FGTS inativo, botei metade do PT na cadeia… inclusive o chefe do bando… e sabe como é que o povo retribui?

— Com panelaço? — pergunta um assessor desavisado.

— Cala a boca que a pergunta foi retórica, ô idiota — responde Temer. Em seguida, continua:

— O povo retribui com 3% de aprovação. Pode uma coisa dessa?

Os assessores balançam a cabeça, decepcionados. Menos o desavisado:

— É, seu Temer. O brasileiro tá que nem o senhor com a reforma da Previdência: só reprovação.

Temer sai do sério com o comentário:

— Como é?! Ô Gadelha, quem contratou esse palhaço, hein? Tire imediatamente ele dessa sala!

— Calma, presidente. O menino é bom. Confia em mim.

Fulminando o jovem assessor com o olhar, Temer se recompõe. E continua:

— Bom, como eu dizia, apenas 3% dos brasileiros votariam em mim.

O jovem assessor pega uma calculadora e interrompe:

— Vamo lá: 3% de 210 milhões dá mais de 6 milhões. É grande essa Família Adams, né, presidente?

— Quê? —- Pergunta Temer. O jovem assessor continua:

— E outra, 6 milhões de habitantes é como se o senhor fosse apoiado por metade de São Paulo. Se bem que eles elegeram o Alckmin e o Dória, né? Ô vanta.

— Gadelha, manda prender esse merda agora por desacato à autoridade!

— Relaxa, Michel. O menino pensa esquisito, mas é bom. E o senhor pediu que eu convocasse os estrategistas mais picas, não foi?

— Pedi.

— Então. Ele é o pica dos picas.

Com uma expressão confiante, o jovem assessor dá uma piscada de olho para o presidente.

— Ele é muito é um escroto debochado!

— Vai dar certo, presidente. Confia em mim — reforça Gadelha.

Temer pega um caderninho surrado. Dá uma batida na capa pra tirar a poeira e entrega o caderno ao chefe de sua assessoria:

— Gadelha, eu anotei aqui umas ideias de como aumentar minha popularidade. E gostaria que sua equipe fizesse o mesmo.

O caderninho empoeirado passa de mão em mão, até chegar ao jovem assessor. Quando ele abre o caderno, começa a espirrar. Nesse momento Temer recorda a matéria sobre a nova gripe. A lembrança das pessoas lotando os postos de saúde em busca da vacina veio à tona, junto com uma ideia:

— E se a gente criasse uma vacina da aprovação? — Pergunta Temer.

— Isso é mais uma pergunta retórica ou é pra responder mesmo? — Ironiza o jovem assessor. Mas Temer está tão deslumbrado com sua ideia que nem dá ouvidos:

— A gente troca a vacina da nova gripe pela vacina da aprovação. Aí o país inteiro ficaria do meu lado.

— Mas presidente, como é que a gente produz essa vacina? — Pergunta Gadelha.

— Basta um pouquinho de DNA de algum babão do presidente e pronto. Já era — Brinca o jovem assessor.

— Temer vai até o Gadelha e morde seu pescoço. Depois, passa a mão no sangue escorrendo pelos seus dentes e diz:

— Bem pensado, garoto.

Alguns meses depois dali, Temer liga a TV no noticiário:

— Reviravolta impressionante. A aprovação do governo de Michel Temer cresce radicalmente, e o candidato lidera com sobra as eleições de 2018. Segundos as pesquisas, os pontos mais elogiados pela população foram a superação da crise, a liberação do FGTS e a prisão do ex-presidente Lula.

Eufórico, Temer liga para o chefe de sua assessoria:

— Gadelha, sou eu. Cê tava certo. O menino é bom mesmo.

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Rodrigo Santiago
Revista in-Cômoda

Redator publicitário, escritor e criador do Poucas&Bobas: página de contos, crônicas e esquetes cômicas.