A era dos juros baixos

Fatores que abriram espaço para a queda dos juros no Brasil, impactos e oportunidades

Bruna Araújo
Revista Jabuticaba
6 min readJul 9, 2020

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O Brasil já foi um dos países com o juros mais altos do mundo. Após a adoção do regime de metas para a inflação, criado em 1999, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) entrou em tendência de corte da Taxa Selic, chegando ao patamar de um dígito em 2009. Contudo, nos anos seguintes a taxa de juros da nossa economia parecia caminhar nos trilhos de uma montanha-russa de tanto sobe e desce.

Foto: Reprodução/Poupar Dinheiro
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Banco Central

Após a crise econômica gerada pelo segundo governo Dilma, onde a taxa básica de juros atingiu o patamar anual de 14%, o Copom iniciou o afrouxamento da política monetária a partir de julho 2015, registrando na segunda-feira (17) o valor mínimo histórico de 2,25% . O objetivo? Incentivar o crédito, os investimentos e o consumo, aquecendo a economia.

O que abre espaço para que uma economia emergente como o Brasil reduza os juros?

Basta olharmos para a tendência mundial. Juros nominais baixos, zerados ou NEGATIVADOS é realidade em algumas economias faz tempo. É isso mesmo! Tem gente pagando para emprestar seu próprio dinheiro. O mundo possui cerca de US$ 15 trilhões em bônus com juros negativos. Significa que os indivíduos estão pagando juros ao invés de recebê-los. Ou seja, a cada 100 euros aplicados em títulos que rendem -0,75%, o investidor perde 0,75 cêntimos de euro. É contraintuitivo investir em ativos que retornem um valor menor do que foi aplicado, mas em tempos de crise, o investidor procura ativos mais seguros, mesmo que de baixo retorno. Nesse caso, estamos falando dos títulos de dívida pública, em especial de países ricos.

A redução dos juros mundo afora é consequência da desaceleração da atividade econômica global e queda inflação(resultado da redução da demanda e da aproximação dos preços dos bens e serviços devido ao avanço tecnológico em mundo globalizado). Logo, o afrouxamento da política monetária por parte do FED (Banco Central dos EUA) e do Banco Central Europeu abre espaço para que as economias emergentes sigam o mesmo caminho.

O que os juros negativos sinaliza? Que as pessoas não devem deixar seu dinheiro parado. É uma forma de incentivar/forçar o consumo ou investimento em bens de capital, uma vez que os países estão crescendo em um ritmo muito lento e os títulos do governo não são mais rentáveis.

Os juros próximos de zero ou negativos não são novidade. O Japão pratica taxas negativas há anos. Diante do temor de uma nova recessão, os investidores tendem a procurar ativos seguros de longo prazo, fazendo com que o preço do título aumente, o que, consequentemente, reduz os juros pagos.

Um levantamento feito pela Infinity Asset e MoneYou apresenta o ranking dos juros nominais de 40 países. A média geral do ranking é 2,23% ao ano. No que se refere ao Brasil, segundo o relatório divulgado no mês de junho deste ano, apesar das consecutivas quedas da Selic, o país ocupa o 11º lugar entre as economias analisadas com maiores taxas de juros. A Argentina é a campeã do juro alto (38% a.a.), mas a inflação lá é tão alta (projetada em 42% no relatório de junho) que o país apresenta juros reais negativos.

Apesar de uma taxa nominal relativamente alta, o Brasil apresenta juro real negativo, ocupando a 27º posição segundo o relatório. O juro real é uma bússola para o investidor, pois mostra quanto o dinheiro dele cresceu. Para serem atrativos, os ativos financeiros devem ser capazes de render mais que a inflação, preservando, assim, o poder de compra do investidor ao longo do tempo. Lembre-se:

Taxa de juros real= juros nominal — inflação projetada para o período

Em países emergentes tal como o Brasil, quando a taxa básica de juros é alta, ela incentiva o investimento em títulos da dívida pública no mercado doméstico e atrai capital estrangeiro. Por outro lado, a queda da taxa de juros da economia pode gerar fuga de capitais do país.

Por que os indivíduos perderiam o interesse de investir seu dinheiro aqui se as taxas de juros mundo afora estão menor que a Selic? O Brasil não inspira estabilidade e confiança aos investidores como acontece com os países ricos e desenvolvidos, por exemplo a terra do Tio Sam e países europeus. Pensem comigo: em tempos de crise, você prefere emprestar dinheiro para o tio rico ou para o tio pobre? Para o tio rico, é claro!

Com a redução do crescimento da economia global causada pela pandemia do novo coronavírus, o Brasil sofreu com a fuga de capital estrangeiro na ordem US$ 13,2 bilhões de janeiro a abril. Além de perspectiva de crescimento ruim, fatores como crises internas e insegurança jurídica são prato cheio para a debandada de capital. O Brasil cumpriu todos esses requisitos desde o início da recente crise, o que culmina tanto na saída de capitais de investidores estrangeiros quanto de investidores domésticos. Assim, para evitar essa fuga, é necessário que o país pague um prêmio de risco maior (juros mais altos) aos investidores.

Impactos e Oportunidades

Com Selic baixa fica mais fácil tomar crédito emprestado, aumentando o consumo das famílias e o investimento no setor produtivo. Enquanto isso, para os inadimplentes, os juros de renegociação fica mais barato.

No que se refere aos investimentos, a renda fixa, ativos financeiros indexados à índices como a taxa Selic e CDI (Certificado de Depósito Interbancário), tornou-se menos atrativa. Assim sendo, os investidores passam a alocar os seus recursos em ativos com maior retorno e, consequentemente, mais arriscados, conhecidos como ativos de renda variável.

No passado, analisando o risco-retorno, por que as pessoas investiriam dinheiro em renda variável se antes elas podiam ganhar 14% ao ano investindo em ativos de baixo risco?

Fonte: Critéria Investimentos

O Brasil já foi o paraíso dos poupadores (olha que poupança nem é investimento!), contudo, os tempos mudaram. Pela primeira vez na história, os rendimentos de dividendos das empresas que compõe o Ibovespa (dividend yield)[1] superou a taxa Selic, como mostra o gráfico ao lado.

Caso o Banco Central siga com novos cortes na taxa de juros nos próximos meses, a tendência é que essa diferença aumente.

Caderneta de poupança e renda fixa agora é coisa do passado, ambas servem apenas como reserva de emergência. Se o indivíduo quer ver seu dinheiro render, um novo cenário é imposto: investidores posicionando suas carteiras em ativos de renda variável na Bolsa de Valores.

Chegamos ao limite?

No Brasil, o Banco Central deixou em aberto a possibilidade de novos cortes na taxa básica de juros, dado que as projeções para a inflação estão abaixo da meta[2] para os próximos anos (projeções pressupõem 1,63% para 2020, 3% para 2021 e 3% para 2020). Cabe destacar que a queda da Selic, além de ser um reflexo da tendência global de redução dos juros oriunda do menor crescimento econômico e baixa inflação, pode ser atribuída, também, às reformas estruturais (aprovação do teto dos gastos e reforma da previdência) pelas quais os país vem passando. A fim de driblar a retração econômica, para além da política monetária expansionista, o país ainda precisa dar continuidade às reformas tais como tributária e administrativa visando reduzir os gastos públicos e manter a sustentabilidade econômica do país.

Em âmbito global, espera-se que os juros não fiquem tão baixos por muito tempo, pois podem gerar distorções na economia como a armadilha da liquidez, situação onde a condução da política monetária deixa de ter capacidade de estímulo na economia.

Cabe destacar que a taxa de juros é influenciada por outras variáveis da economia como a taxa de câmbio, dívida pública e desemprego não apresentadas aqui, mas que abrem espaço para discussões futuras.

Nota

[1] Indicador que mostra em termos percentuais quanto de dinheiro você recebe pra cada 100 reais que você investe.

[2] Para 2020, o centro da meta de inflação é de 4%, sendo o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo (2,50% a 5,50%).

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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Bruna Araújo
Revista Jabuticaba

Antes padawan, agora mestre em Economia Aplicada que adora fotografar com seu humilde celular coisas simples do cotidiano.