A estratégia do Festival Planeta Brasil 2019

João A. Leite
Revista Jabuticaba
Published in
4 min readMar 27, 2019

No começo de 2019, fui pela segunda vez consecutiva ao Festival Planeta Brasil. Lembro-me bem do susto que tomei na edição passada, quando me deparava com o mar de copos plásticos deixados no chão quando a multidão se dispersava ao fim de cada show. Possivelmente para evitar que as pessoas se machucassem (ou agredissem umas as outras) com garrafas de vidro e latinhas de alumínio, todas as bebidas vendidas no evento eram servidas em copos plásticos. Não me assustava apenas a quantidade de lixo, mas também o quão curto era o tempo em que o mesmo era descartado.

Neste ano, ciente deste problema, eu e meus amigos pensamos que seria uma boa ideia levar nossa própria caneca de casa. Além de evitar o uso de copos descartáveis, é um acessório muito comum em festas universitárias as quais quase todo mundo leva seu próprio copo/caneca presos em tirantes estilizados com símbolos do curso ou de sua respectiva atlética.

Para nossa surpresa, os organizadores do evento se anteciparam a este problema e buscaram uma solução financeiramente muito mais interessante para si mesmos. Ao entrar em contato com a página do evento no Facebook, a resposta sobre usar nossas canecas no evento foi: “ Não. No festival temos o Eco Copo, substituindo os de plastico. Você compra na entrada e pode ter a opção de devolver o copo.” Não tive dúvidas de que essa seria uma forma do evento se mostrar mais ambientalmente responsável e ao mesmo tempo fazer uma “graninha” extra com a venda de copos.

O meu copo.

Ora, se boa parte dos participantes do evento desejam consumir alguma outra bebida além de água ao longo de 12 horas de evento, a venda de copos seria enorme, pois a única bebida que podia ser comprada sem a posse do copo era água (nenhuma bebida trazida de fora do evento era permitida). O preço do copo era cinco reais, era feito de material bem simples mas com várias estampas diferentes e bonitas. Ao fim do evento, se o copo estivesse intacto, o comprador poderia devolver o copo e pedir seus cinco reais de volta.

Várias razões poderiam ser listadas para explicar porque o comprador não teria seu dinheiro de volta, como quebrar o copo em meio à multidão, perdê-lo entre suas andanças entre os palcos ou simplesmente estar cansado demais ao fim do evento para buscar um posto de troca. Contudo, um conceito da economia comportamental explica muito bem essa estratégia dos organizadores: o efeito posse (ou dotação).

Muitos experimentos vêm demonstrado que os seres humanos possuem a aversão a perda como um importante componente de seu comportamento. Em outras palavras:

“A tendência dos indivíduos a serem mais afetados pelas perdas do que os ganhos. Desta forma, a satisfação de se obter determinado ganho é menor do que sofrimento da perda equivalente.”

A aversão a perda transparece em vieses recorrentes no comportamento das pessoas, entre eles, o efeito posse é apresentado como o curioso caso em que indivíduos passam a valorizar mais um bem que está em sua posse, ao se depararem com situação em que poderiam perdê-lo ou trocá-lo por algum outro bem. O caso dos copos do Planeta Brasil servem como um bom exemplo: eu compro um copo por 5 reais, uso o mesmo copo durante 12 horas de evento, tiro inúmeras fotos segundo o copo, bebo cerveja neste copo ao longo de ótimos shows que ficaram na memória, enfim, o copo está presente o tempo todo. Ao fim do festival, aquele copo já não é apenas um copo do festival, é o meu copo. Na hora da troca, o custo de abrir mão do copo não pode ser compensado apenas por 5 reais, o valor da perda é encarado como superior ao seu preço de aquisição.

Os experimentos orientados para testar o efeito posse, demonstram que indivíduos com preferências semelhantes se comportam de forma diferente quando podem escolher livremente entre diferentes bens ou quando possuem um bem inicialmente e depois é proposta uma troca por outro bem. Receber um bem como default reduz as chances de que seja trocado posteriormente, é atribuído a ele maior valor. Um experimento clássico neste assunto foi feito por Jack Knetsc, usando canecas e da barras de chocolate.

Este foi apenas um insight que tive ao me deparar com a estratégia da organização do festival. Dispondo desta hipótese, adoraria dispor dos dados das vendas e copos retornados ao fim do evento para tentar captar o efeito posse com números.

Esta análise foi baseado na combinação das minhas experiências pessoais durante o festival Planeta Brasil 2019 e dos estudos que fiz durante a minha participação na LANP. O texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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João A. Leite
Revista Jabuticaba

Mineiro e bacharel em ciências econômicas pela UFJF. Externalizo aqui alguns pensamentos, análises e reflexões que ebolem na minha mente inquieta.