Como as democracias morrem

Um livro importante no momento certo

João A. Leite
Revista Jabuticaba
4 min readAug 30, 2019

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Se o título deste texto soa familiar, é possível que você já o tenha lido na vitrine de alguma livraria. O livro de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de ciência política em Harvard, foi lançado em 2018 e em pouco tempo já ocupava lugar de destaque entre os best-sellers do Brasil.

Fotográfica tirada pelo autor.

À primeira vista, se tratarmos o título do livro como uma pergunta, as respostas mais comuns provavelmente seriam através de uma guerra civil, um golpe militar ou pela instauração de um regime autoritarista. Todas são respostas válidas, mas um pouco óbvias. Existem também outras formas de matar uma democracia, muito mais perigosas e discretas, uma delas acontece por dentro, através de líderes eleitos democraticamente pela população. É esse tipo de morte que os autores se preocuparam em descrever.

Pode parecer contraditório que uma democracia propicie vias legítimas para seu próprio enfraquecimento, mas esta é uma realidade que se repetiu várias vezes no mundo, independente da identificação política do “democraticída”. Alguns dos exemplos apresentados no livro são a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, Hitler na Alemanha, Viktor Orbán na Hungria, o Brasil de Getúlio Vargas, Vladimir Putin na Rússia, Erdoğan na Turquia, além da ameaça apresentada por Donald Trump nos Estados Unidos da América dos dias de hoje.

Diante desta perspectiva, os mecanismos necessários para preservar a integridade da democracia residem também dentro do próprio regime. Neste ponto, não é possível ser generalista, cada democracia possui sua própria trajetória e aspectos culturais envolvidos que as tornam únicas, mas algumas linhas comuns são observadas na maioria delas, como a divisão dos poderes contando com certo nível de independência e autonomia entre si, criando um sistema de freios e contrapesos forjado pelas leis e instituições¹, o que tende a evitar abusos e tendências radicais de alguma das partes.

Outro fator importante para evitar que candidatos com tendências autoritárias assumam o poder é a existências de normas não escritas. O livro foca principalmente na história dos Estados Unidos, os autores apresentaram dois princípios muito relevantes na democracia estadunidense:

“Duas normas básicas preservaram os freios e contrapesos dos Estados Unidos, a ponto de as tornarmos como naturais: a tolerância mútua, ou o entendimento de que partes concorrentes se aceitam umas às outras como rivais legítimos, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de prerrogativas institucionais. Essas duas normas sustentaram a democracia dos Estados Unidos durante a maior parte do século XX”²

Os diferentes momentos históricos apresentados na dissertação sobre o desenvolvimento da democracia americana demonstram como estas duas normas apresentaram limites importantes para manter as diretrizes democráticas. Em diferentes contextos, democratas e republicanos ofereceram ameaças à democracia, muitas vezes, agindo por meio de pequenas mudanças legais nas regras do jogo, aparentemente inofensivas, mas com impacto nocivo após sua implementação.

Um grande exemplo aconteceu após a Guerra Civil de Secessão. Os estados sulistas pró-escravagismo haviam acabado de perder a guerra e foi declarada o fim da escravidão e os afro-americanos conquistaram o direito de votar, logo, havia uma grande ameaça eleitoral para os Democratas³. Para contornar este problema, alguns estados passaram a adotar alguns requisitos para que os eleitores pudessem votar, como a cobrança de um imposto “neutro”, teste de alfabetização e comprovação de posse de propriedade. A vitória Republicana tornou-se muito mais difícil nestes estados durante muitas eleições seguintes.

A ameaça à democracia através da via eleitoral acontece muitas vezes por meio da vitória de um outsider com tendências autocráticas. A receita é mais ou menos a seguinte: Um outsider antissistema se apresenta como solução para os problemas da época e passa a conquistar apoio de massas mais radicais, atraindo atenção pública e da mídia. Até aí, esse seria apenas mais um candidato com fama de “maluco”, o problema deriva de quando parte do establishment passa a apoiá-lo, ignorando o potencial caótico. Esta é a história de Hitler, Mussolini e Chávez.

Segundo os autores, neutralizar uma ameaça deste tipo é papel dos partidos políticos, é necessário que haja um consenso de não evocar esse tipo de estratégia para vencer uma eleição à custa da democracia. Para identificar ameaças advindas de um outsider, é preciso compreender os quatro principais indicadores de tendências autoritárias:

1- Rejeição das regras democráticas do jogo (ideias de como suspender a constituição vigente e se recusar a aceitar resultados legítimos de eleições);

2- Negação da legitimidade dos oponentes políticos;

3- Tolerância ou encorajamento à violência (Seja apoiando violências ocorridas no passado ou incitando no presente);

4- Propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia (válido também para elogios a medidas repressivas de outros governos).

Se você identificar essas características em um candidato, cuidado, ele pode constituir uma grande ameaça à democracia do seu país!

Boa parte do livro é dedicada a dissecar essas características no atual presidente americano, Donald Trump, e como o país tem resistido e sucumbido aos ataques à sua democracia. Ao fim, os autores deixam seu próprio palpite sobre o caminho necessário para livrar o país dessa ameaça: uma oposição ponderada e equilibrada que se volte principalmente para políticas públicas benéficas para a população mais vulnerável que carece de seguridade social, visando reduzir as desigualdades, “sem dar munição para reações de motivação social”⁴.

Fica aqui o meu convite para essa leitura. É uma boa análise para entender como o mundo tem se tornado menos democrático nos últimos anos e um importante alerta para as crescentes tendências antidemocráticas em muitos países.

1- O sentido empregado aqui para instituições é o correspondente à definição de Douglass North (1990), como as regras formais e informais criadas por seres humanos.

2- Página 20.

3- Neste contexto, os Democratas era um partido defensor da escravidão hegemônico no sul do pais.

4- Página 216.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba e abre a seção destinada para resenhas, resumos e análises de livros.

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João A. Leite
Revista Jabuticaba

Mineiro e bacharel em ciências econômicas pela UFJF. Externalizo aqui alguns pensamentos, análises e reflexões que ebolem na minha mente inquieta.