Desigualdades de gênero em tempos de pandemia

Uma análise dos possíveis efeitos da pandemia sobre as mulheres

Andrezza Batista
Revista Jabuticaba
4 min readJun 26, 2020

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Na economia, chamamos de exógenos aqueles eventos que ocorrem sem que ninguém esperasse, nem que pudesse se preparar para sua ocorrência. Como é o caso do surgimento de um novo vírus capaz de colocar o mundo inteiro em estado de alerta.

A pandemia gerada pelo disseminação do COVID-19, então, pode ser considerada como um choque exógeno que afeta a vida de todos os indivíduos ao redor do mundo. Assim como com todo evento exógeno, as alterações no estilo de vida das pessoas geradas pelo novo coronavírus, como a necessidade de distanciamento social, têm diversas consequências para a economia. Essas consequências podem ser mais gerais para a conjuntura do país, como a queda na produção, quanto direcionadas ao indivíduos, como a intensificação das desigualdades de gênero.

A preocupação dos efeitos das desigualdades de gênero na economia tem se elevado ao longo dos anos, uma vez que aumentou a percepção, com o passar do tempo, de que tanto o crescimento quanto o desenvolvimento de um país podem ser afetados pela presença de desigualdade, seja ela racial, social ou de gênero. Desigualdade de gênero, então, é a desvantagem que as mulheres sofrem na sociedade ao se tratar de assuntos como renda, falta de assistência como chefes de família, segregação ocupacional, falta de oportunidades de ascensão de carreira, entre outros. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres no Brasil recebem cerca de 35% menos que homens, dedicam cerca de 8 horas semanais a mais em afazeres domésticos que os homens, ocupam somente um terço dos cargos gerencias e 10% dos cargos políticos.

Mas como uma pandemia se encaixa nessas estatísticas? Com o surgimento do COVID-19, as pessoas foram obrigadas a alterar suas rotinas como forma de prevenção e redução da disseminação do vírus. Essa alteração da rotina, com as pessoas passando mais tempo dentro de casa e com as crianças sem irem para a escola, intensificou a jornada de trabalho que as mulheres exercem dentro do domicílio, uma vez que, culturalmente e socialmente, são as maiores responsáveis pelas tarefas domésticas e cuidados com crianças.

Devido a esse papel social atribuído às mulheres, elas tendem a representar maioria em profissões relacionadas ao cuidado, como educação, saúde e serviços sociais. Segundo dados do IBGE, cerca de 25% das mulheres exercem essas funções, contra somente 10% dos homens. Isso sugere que as mulheres tendem a ser maioria em profissões que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus. Além disso, as mulheres tendem a exercer menores jornadas no mercado de trabalho e a ocuparem mais cargos informais, apesar de terem, em média, maior escolaridade que os homens, fazendo com que sejam as primeiras a perder emprego em momentos de dificuldade econômica.

Com a pandemia, também, as mulheres passam a sofrer mais com a violência doméstica, já que, em um cenário de distanciamento social, casais que vivem relacionamentos abusivos têm passado mais tempo juntos dentro do lar. Tem-se, ainda, que choques negativos na renda sempre reduzem a barganha feminina dentro do domicílio, reduzindo sua voz ativa nas tomadas de decisões familiares, além de aumentarem o número de mulheres vivendo em condição de pobreza.

Tendo em vista a importância da luta contra a desigualdade de gênero e dos agravamentos gerados pelo cenário mundial atual, a Organização das Nações Unidas (ONU Mulher), divulgou uma série de ações que podem e devem ser feitas na tentativa de eliminar as desigualdades dentro de casa. Dentre elas está a divisão de tarefas domésticas, a disseminação de informações acerca da igualdade de gênero entre os membros da família e a preocupação com a saúde mental. Cabe a todos nós a busca pela igualdade entre homens e mulheres, mesmo em um momento onde a preocupação com a saúde parece superar todos os outros problemas.

Acerca da desigualdade de gênero, por fim, ainda exitem muitas questões relevantes para a economia que podem ser abordadas no futuro. Dentre elas alguns exemplos são: os diferentes níveis de pobreza que homens e mulheres enfrentam e as consequências disso; a diferença na alocação de recursos dentro do domicílio entre meninos e meninas, como com educação e saúde; e as dificuldades enfrentadas por domicílios chefiados por mulheres e os efeitos disso sobre as crianças.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba. Mais textos sobre Covid-19 e economia podem ser encontrados aqui.

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Andrezza Batista
Revista Jabuticaba

Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Mestre e Doutoranda em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa