Desmistificando os fluxos comerciais

Bruna Souza
Revista Jabuticaba
Published in
4 min readMay 8, 2019
Fonte: MIT News

É de conhecimento geral que o ser humano tem propensão ao comércio. De acordo com Adam Smith, a ideia de troca é inerente às vontades humanas, desde que estejamos inseridos em uma sociedade. Seguindo esta linha de pensamento, os fluxos comerciais (exportações e importações) são uma atividade completamente natural.

Desde o pontapé dado no século XV com o começo das Grandes Navegações, o mundo está cada vez mais conectado e a globalização se tornou uma máquina de integração mundial, desmistificando muitos conceitos do comércio sobre protecionismo e produção.

O primeiro deles é sobre o processo de importação enfraquecer a economia de um país. Os mercantilistas, por exemplo, suspeitavam que ao importar, sua produção seria afetada de forma negativa e o consumo de produtos nacionais diminuiria. Hoje em dia, o que realmente ocorre é uma elevação da competitividade de um país frente à economia internacional, já que ao importar bens, há maior oferta e consequentemente, maior estímulo para criação e desenvolvimento de tecnologias, expandindo assim a concorrência da indústria nacional.

Outro ponto que pode ser considerado um mito sobre os fluxos comerciais é o mercado interno ser suficiente para sustentar a economia de um país. Na verdade, o ato de exportar amplia a troca de bens, sendo que produtos nos quais um país possui vantagens relativas* podem ser comercializados com outros países em todas as épocas do ano, o que não poderia ser feito — principalmente com produtos sazonais — se a produção fosse voltada para consumo interno. Com a expansão de seu mercado, um país pode agregar eficiência à sua produtividade.

Uma discussão mais recente se baseia na facilitação do comércio, que é a simplificação e harmonização de procedimentos alfandegários e infraestruturais. Atualmente, muitos países em desenvolvimento encontram dificuldades para se inserir no comércio mundial e optam por estabelecer barreiras — sejam elas tarifárias ou não tarifárias — as quais podem ter diversas justificativas, mas na prática, protegem a indústria nacional. Porém, o porte da economia de um país não pode ser considerado o entrave máximo para sua entrada em negociações internacionais, e a facilitação comercial é um dos instrumentos que buscam promover maior padronização e menor burocracia para os fluxos comerciais, e portanto, auxiliar economias menores em seu desenvolvimento como exportadores e importadores.

Mesmo a facilitação do comércio sendo um processo visivelmente custoso, já que envolve a modernização de toda a estrutura dos fluxos comerciais (documentos, alfândegas e procedimentos), proteger a indústria nacional também é. Além do custo financeiro, sustentar o protecionismo em uma realidade na qual a concorrência entre as economias já foi há muito tempo estabelecida como padrão de comércio não é aconselhável. Consumidores saem prejudicados porque, mesmo tendo qualidade inferior, os produtos nacionais tem seus preços pareados ao nível internacional, empresas não possuem incentivo ao desenvolvimento de tecnologia, o governo sai prejudicado pois tem que amparar este arranjo insustentável com medidas protecionistas. No geral, proteger a indústria nacional em um cenário de alta concorrência, portanto, não é sensato.

Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel em 2008, revolucionou o pensamento do comércio internacional, apontando para uma economia cada vez mais agregada, aberta e de portes similares — países desenvolvidos comercializam largamente entre si. Porém, o autor condiciona o bom funcionamento da economia mundial a ideais de desenvolvimento regional e auxílios do governo de um país nos fluxos comerciais. Tal análise traz a discussão das negociações internacionais para uma pauta mais atualizada.

Desta forma, pode-se rejeitar a crença de que exportar bens primários para países grandes é prática exclusiva de países de economias pequenas. Segundo o Banco Mundial, muitos países desenvolvidos são os maiores exportadores de produtos como madeira, vegetais e minerais. Como exemplo, tem-se os Estados Unidos como maior exportador de vegetais em 2017. Outro país que se encaixa perfeitamente como modelo é a Nova Zelândia, grande exportadora de bens como carne bovina, manteiga e frutas, estando entre os vinte países mais desenvolvidos do mundo.

Nova Zelândia: exportações em 2017. Fonte: The Observatory of Economic Complexity.

É importante ressaltar que não há uma fórmula-base para a economia de um país ser promovida ao cenário mundial, portanto, os pontos abordados são exemplos muito observados nos últimos séculos e não uma receita a ser seguida. Ainda há muito a ser descoberto, através de análises mais profundas e construção de modelos mais detalhados.

Além disto, para um país prosperar internacionalmente, devem haver outras preocupações, pois o comércio internacional está extremamente ligado ao bom funcionamento de todas as áreas socioeconômicas de um país. Isto proporciona um menor nível de risco, maior atratividade de investimentos, respeitabilidade conquistada com bom histórico de crédito e disposição em fazer acordos comerciais; e desta forma, contribui para uma melhor interação mundial, que é o objetivo de todos (ou deveria ser).

* Vantagens relativas ocorrem quando um país possui um custo de oportunidade menor do que o de seus concorrentes para produzir e exportar um bem X, considerando os fatores de produção existentes. Portanto, o país se especializará no bem X, o qual é intensivo no fator relativamente abundante e favorável para ele. A ideia de um país ter vantagens em termos de produção e comercialização foi introduzida por Adam Smith, com a Teoria das Vantagens Comparativas Absolutas. Amparada nesta teoria, foi criada a Teoria das Vantagens Comparativas Relativas por Hecksher e Ohlin, que é aqui mencionada.

Este texto é baseado em estudos sobre Comércio Internacional realizados durante minha iniciação científica, e faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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Bruna Souza
Revista Jabuticaba

Uma estudante de Economia nascida em Niterói/RJ, que fala muito e tem 22 anos.