I. Coronavírus: de onde vem, pra onde foi e como está se dissipando.

Victor Moraes
Revista Jabuticaba
Published in
5 min readApr 9, 2020

Antes de entrar no debate propriamente dito, faz-se necessário que compreendamos a razão pela qual vírus e bactérias se propagam de maneira tão rápida ao longo do globo e por quais motivos decisões e impactos econômicos nacionais afetam vários países em larga escala. Este panorama se configura como algo novo, um paradigma que vem se estabelecendo no globo desde a década de 70. A título de exemplo, a Peste Negra ocorreu entre os anos 1346 e 1353 e dizimou cerca de 1/3 da população mundial, no entanto, a pandemia ficou resignada à região da Eurásia, não tendo se dissipado para outras partes do globo, panorama completamente adverso ao modo como as pandemias se alastram na hodiernidade.

A partir da década de 80, inicia-se o processo de globalização neoliberal que tem como principais personagens políticos e implementadores de políticas Margareth Thatcher e Ronald Reagan. O crescimento constante do movimento de globalização foi estimulado pelo avanço tecnológico das telecomunicações e transportes, pela livre mobilidade de capitais e pela financeirização dos setores da economia, além da crescente desregulamentação dos mercados. Os países estão cada vez mais interdependentes; emerge-se uma nova forma estrutural de comercialização, a fragmentação mundial da produção, em que as etapas dos processos produtivos de uma mercadoria são feitas de maneira fragmentada em diversas fronteiras distintas, neste sentido, a circulação de pessoas e mercadorias cresce sem precedentes no globo.

As empresas multinacionais passam a produzir fora dos seus Estados Nacionais de origem, onde se localiza a matriz, havendo deslocamento das atividades centrais dos países centrais para os países periféricos do capitalismo. Este movimento é justificado pela busca de legislações ambientais e trabalhistas mais frouxas, com isso, transferem-se os danos ambientais do processo produtivo para outras nações e o custo da mercadoria salário se torna inferior para um trabalhado exercido na mesma função, já que esta passa a ser realizada fora dos países centrais a um nível salarial e exploratório diverso e compatível com a inserção do respectivo país na divisão internacional do trabalho.

Esta nova forma estrutural de organização do comércio culminou em uma nova forma de organização mundial da produção, as chamadas Cadeias Globais de Valor, que aumentaram vultuosamente o fluxo de bens intermediários, que, atualmente, representam 80% dos fluxos de comércio internacional entre os países. Se em outros momentos a ideia de progresso econômico capitalista esteve atrelada ao desenvolvimento de todo um parque industrial, completo e diversificado, que produz bens finais prontos para serem comercializados, como prega o Processo de Substituição de Importações , na contemporaneidade, essa ideia de crescimento se converte e se materializa na especialização em etapas diferentes da cadeia produtiva entre distintas nações, onde as atividades possam ocorrer a um custo inferior.

De maneira geral, as atividades que se concentram em etapas intermediárias das CGVs capturam um menor valor agregado, posto ocupado pelos países emergentes e subdesenvolvido; deve-se dar ênfase ao setor de fornecimento de matérias-primas que é o setor que menos captura adição de valor para as economias nacionais, de modo que as etapas que concentram a maior agregação de valor são designadas aos países centrais, sendo referentes às fases pré e pós fabricação do bem final, onde se concentram atividades ligadas a serviços de maneira geral e ativos intangíveis. O exposto pode ser analisado através da curva sorridente de Stan Shih:

Fonte: Adaptado de: SHIH, S. Millenium transformation: change management for new Acer. Aspire Academy Series, [s.d.].

Tendo em vista este novo cenário, é evidente que as políticas, choques aleatórios e etapas dos processos produtivos ocorridos dentro de uma fronteira tendem a influenciar todos os outros países presentes nas cadeias. Neste sentido, os distintos impactos econômicos de uma pandemia, como a da covid-19, que se dão a nível nacional, em virtude das diferentes políticas de prevenção e isolamento adotadas, reverberam implicações que se dão a nível internacional e interdependente.

O fluxo de pessoas que se desloca no mundo contemporaneamente também é um fator preponderante para a compreensão das interconexões existentes entre os países, o transporte de pessoas se tornou mais barato ao longo do tempo, de modo que os navios e aviões passaram a transportar um número maior de pessoas em um tempo mais curto. Por conseguinte, levando em consideração todas as máximas anteriormente apresentadas, não é algo surpreendente que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 196 países no globo apresentem casos confirmados de coronavírus, e países como Cuba e Coreia do Norte, que possuem uma integração global muito inferior, não apresentem nenhum caso de contaminação, os impactos econômicos nestes países são muito mais brandos.

A maioria das pesquisas aponta que o vírus infecta humanos pela primeira vez na China, através da ingestão de carne de morcego. No entanto, de acordo com notícia divulgada pelo site The Intercept, a principal região responsável pelo alastramento do vírus no globo foi a Europa, visto que, de maneira geral, as nações da União Europeia demoraram muito tempo para implementar medidas de isolamento social quando comparamos com a China, por exemplo, ou com outros países asiáticos, como a Mongólia.

“Os primeiros casos de coronavírus na África do Sul foram de pessoas que visitaram o norte da Itália para esquiar. Na América Latina, o paciente zero foi um brasileiro que passou pela Lombardia. Os primeiros contaminados de Bangladesh também tinham viajado à Itália. No Panamá, o caso inicial foi importado da Espanha. Na Nigéria, a primeira experiência foi com um italiano que viajava a trabalho. O início da pandemia na Jordânia também tem origem na Itália.”

Por fim, evidencia-se que a solução para pandemia se dá a nível global, através da coordenação de políticas públicas entre as nações, visto que as decisões nacionais refletem em todo o mundo, no sentido sanitário e econômico. Este texto faz parte de uma série sobre Coronavírus e economia, proposta pela Revista Jabuticaba, as políticas de isolamento e combate ao coronavírus não estão sendo feitas de maneira integrada entre as nações e no próximo texto desta série, colocar-se-á em debate quais são as diferentes políticas de prevenção e isolamento adotadas pelos principais países do globo.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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