Instituições, Desenvolvimento Econômico e Aldous Huxley

A ortodoxia econômica pode nos transformar na distopia descrita por Aldous Huxley em “Admirável mundo novo”?

Ana Letícia Pastore
Revista Jabuticaba
4 min readJul 30, 2019

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As fronteiras entrepostas na ciência são tênues. Da economia evolutiva, que utiliza termos da biologia para teorias econômicas, à economia institucional, com grande carga das ciências sociais e política, não há uma longa distância, a todo momento as grandes áreas se cruzam e se complementam. Com a literatura não seria diferente, ela vem para refletir um estado momentâneo, relembrar o passado, ou até mesmo para “prever” futuros distópicos. Encontrar traços da organização sócio-econômica em ficções científicas não é tarefa árdua, pelo contrário, é um terreno bastante fértil.

Em 1932 o autor Aldous Huxley lançou o que seria uma das distopias mais expressivas do mundo moderno. Admirável mundo novo retrata uma sociedade condicionada biologicamente e psicologicamente para garantir o funcionamento de um sistema completamente centralizado, pautado no consumo e na satisfação momentânea, que estaria vigente no ano 2540. Instituições, economia e ficção científica talvez estejam mais próximas do que se imagina.

Ilustração: Bárbara Rossi

“O comportamento desviante não pode ser tolerado em tal situação porque representa uma ameaça crucial aos traços de estabilidade e asseguração da coletividade […]”

O trecho acima poderia ser parte do sci-fi escrito por Huxley, mas está na página 74 do livro de Douglass North, em que o autor exemplifica a importância das instituições informais em uma sociedade. Quem é aluno de economia provavelmente já ouviu a frase: “é tudo instituição”. Primeiro, se trata de uma piada exagerada, ok? Segundo, pode, sim, ter um fundo de verdade, já que o estudo do autor lhe rendeu um nobel. Explicando de forma simplista, a vertente institucionalista da economia trata das regras do jogo do mercado. Imagine as empresas como organizações e as instituições como as regras que ditam como se dá a interação entre as organizações. Sabe a papelada que você entrega para a imobiliária? Instituições. As eleições municipais, estaduais e federais? Instituições. Você achar errado roubar a sobremesa do seu amigo no R.U? Instituições também! As instituições estão ligadas à cultura, às normas formais e, consequentemente, ao desenvolvimento de uma nação.

“A mudança institucional molda a maneira pela qual as sociedades evoluem no decorrer do tempo e por isso é a chave para a compreensão histórica.”

Ilustração: Bárbara Rossi

A sociedade descrita em Admirável Mundo Novo tem suas bases em instituições definidas em prol do “bem estar” de todos. Lá, os bebês não nascem, decantam em tubos de ensaio. Desde cedo a hipnopedia condiciona cada classe, ou casta, a realizar com prazer a sua atividade predeterminada, alguns são destinados ao comando, outros trabalham em fábricas e moram nos arredores de Londres. Não há razão para se angustiarem dos seus ofícios pois, como lembra a personagem Lenina Crowne ao vê-los, eles foram condicionados a tal tarefa desde cedo e, caso sintam algum sentimento “incômodo”, sempre há uma dose de soma no final do dia. A sociedade da juventude, da beleza, do consumo e da alegria parece funcional seguindo as regras estabelecidas. Para eles, nações que não tenham tamanha “organização social” são consideradas selvagens.

Ilustração: Bárbara Rossi

Entre distopia e instituições econômicas, o desenvolvimento econômico é um ponto intrínseco. Para início de conversa, o que seria o desenvolvimento econômico para uma nação? Na distopia de Huxley, o desenvolvimento está relacionado, principalmente, ao desapego dos sentimentos, ao consumo e à inovação. Para uma sociedade real, o desenvolvimento pode se relacionar, também, à capacidade de consumo, ou a garantia de direitos iguais para todos, à dignidade, à liberdade etc. Diferentes pontos de vista não faltam.

E o que as instituições tem a ver com o desenvolvimento? Há teóricos do desenvolvimento econômico que dirão que o subdesenvolvimento está relacionado às instituições arcaicas. Na mesma escola, a CEPAL, há quem critique o fato de termos importado máquinas e modos de produção dos países desenvolvidos e não desenvolvido os nossos próprios modos de produção a partir dos fatores disponíveis em nossa região. Do outro lado, muitos dirão que a roda não precisa ser inventada: se determinada regra se mostrou eficiente em um país, não há razão para não replicar.

Diante de toda essa salada fictícia-econômico-institucionalista, fica a dúvida, qual é a chave para o desenvolvimento de uma nação? Seriam as regras rígidas de Huxley? A cultura de Celso Furtado? O fim do crescimento econômico em detrimento da preservação dos recursos naturais dos economistas ecológicos? A liberdade como desenvolvimento de Amartya Sen? Seria a solução replicar as “instituições modernas” dos países desenvolvidos? Afinal, a ortodoxia econômica pode nos transformar na distopia descrita por Aldous Huxley?

Bem, ideias não faltam, e se eu puder dar um pitaco, acredito que um pouco de tudo. Não é tudo instituição, mas talvez elas realmente importem.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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