O Brasil Falhou?

João Marcos Salmen
Revista Jabuticaba
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4 min readApr 4, 2019

“A disputa por recursos, renda e poder ilimitados traduz-se em conflito em torno das regras do jogo, das instituições econômicas, que determinarão as atividades nessa esfera e quem será beneficiado por elas. E, em caso de conflito, não há como atender simultaneamente os desejos de todas as partes envolvidas. Algumas sairão derrotadas e frustradas, ao passo que outras conseguirão assegurar os resultados almejados. A definição dos vencedores, em cada caso, terá implicações fundamentais para a trajetória econômica do país. Se os grupos contrários ao crescimento saírem ganhando, conseguirão bloqueá-lo, e a economia acabará paralisada” Acemoglu e Robinson em “Por Que as Nações Fracassam?”.

Presidente Jair Bolsonaro entregando a proposta da reforma previdenciária dos militares para o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia. Foto: J. Batista / Câmara dos Deputados

Não é de hoje que grupos de interesses definem os rumos das instituições políticas e econômicas brasileiras. A própria formação do estado brasileiro é marcada pelo patrimonialismo, clientelismo e paternalismo. Para alguns, essas características institucionais foram herdadas do modelo absolutista e autoritário da monarquia portuguesa e permanecem no Brasil desde tempos coloniais até os dias atuais sob a Nova República. Claramente muita coisa mudou de lá para cá, principalmente com a criação da Constituição Cidadã, que estabeleceu o estado de direito e maior participação política da sociedade civil. Um avanço enorme para um país que viveu no século XX uma republica oligárquica, dominada por elites locais, e dois regimes ditatoriais.

Com a democracia conseguimos superar problemas gigantescos que afetavam a sociedade, matamos o dragão da inflação, que assolou a população brasileira por décadas, conseguimos tirar o país do mapa da fome e fazer uma distribuição de renda nunca antes vista. Essa relação entre democracia e bem-estar social é o objeto de estudo da escola do pensamento econômico Novo-Institucionalista. O núcleo do pensamento dessa escola é que instituições econômicas inclusivas e instituições politicas plurais — como a economia de mercado e a democracia — são peças fundamentais para o desenvolvimento das nações.

Tais instituições são conducentes do crescimento econômico sustentável, uma vez que elas estabelecem a estrutura de incentivos à inovação e à concorrência, garantindo que os indivíduos poupem mais, estudem mais e adotem novas tecnologias. Além disso, traz a possibilidade de se ouvir a voz da sociedade para a resolução pacífica de problemas, chegando a melhores soluções do que as tomadas por ditadores ou oligarcas, por exemplo. Como já dizia minha amada vó: duas cabeças pensam melhor do que uma. Imaginem milhões?

Em “Porque as Nações Fracassam?” Acemoglu e Robinson elogiam o Brasil por ser um exemplo de país que superou grandes problemas através da democracia. Comparando com o desenrolar da economia e politica brasileira isso em algum momento se perdeu. Desde meados da década passada muitas decisões econômicas e politicas foram tomadas a favor de grupos de interesse. Práticas de subsídios para grandes grupos empresarias, congelamentos de preço, afrouxamento de leis ambientais e um total descontrole fiscal. A consequência disso foi a pior recessão da nossa historia, crimes ambientais e retrocesso em muitos avanços sociais conquistados. E para piorar, a mídia revela que muitas dessas medidas foram compradas em troca de doações para campanhas e propinas para os membros dos partidos, um dos maiores escândalos de corrupção envolvendo quase todo o sistema politico. Um claro exemplo de como a natureza extrativista do paternalismo e do clientelismo ainda permanecem nas instituições brasileiras e como eles atrapalham a instauração de um circulo virtuoso de desenvolvimento.

O círculo virtuoso nasce não só da lógica inerente do pluralismo e do estado de direito, mas também porque instituições políticas inclusivas tendem a sustentar instituições econômicas inclusivas — o que leva a uma distribuição de renda mais igualitária, conferindo mais poder e autonomia a um amplo segmento da sociedade e igualando ainda mais as condições de participação no jogo político. Limita-se assim o que cada indivíduo pode obter mediante a usurpação de poder político e reduzem-se os incentivos à recriação de instituições políticas extrativistas. Acemoglu e Robinson em “Por que as nações fracassam”

De acordo com a obra de Acemoglu e Robinson, ao fazer politicas inclusivas e plurais a sociedade aumenta o seu bem-estar como um todo, mas sempre há perdedores, aqueles que perdem seus privilégios e regalias. Entretanto, ninguém gosta de ter sua influência politica ou poder econômico diminuídos. Desse modo, os perdedores políticos atacam de diversas maneiras, qualquer forma de pluralismo, inclusão ou distribuição que possa acontecer em uma sociedade.

Atualmente o fenômeno se repete. A transformação demográfica da população brasileira e a frágil situação fiscal do país fazem necessária a reforma do sistema previdenciário. É fundamental a revisão dos privilégios perpetuadores da desigualdade. As contas publicas precisam ser melhoradas para que o estado seja capaz retomar os investimentos em áreas de interesse da população como: saúde, educação e infraestrutura. No entanto, aqueles que vão perder privilégios não ficarão alegres com a proposta de se fazer uma reforma previdenciária e já começam a atacá-la usando de fake news, lobby ou aproveitando da incompetência politica do governo. O país precisa decidir urgentemente quem sairá vencedor desse embate: a sociedade brasileira ou uma parcela de privilegiados por um sistema previdenciário concentrador. A partir do vencedor nessa luta conseguiremos responder a pergunta do titulo desse texto.

Esse texto é baseado nos meus estudos sobre a escola Novo-Institucionalista iniciada por Douglass North e na minha opinião sobre a necessidade de se aprovar a reforma da previdência. O texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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João Marcos Salmen
Revista Jabuticaba

“It is a well known fact that reality has liberal bias.” ― Stephen Colbert