O preço da revolução

Ou: a prova de que a inflação e o congelamento de preços não se tratam de uma invenção moderna

Pedro Sousa
Revista Jabuticaba
4 min readApr 22, 2019

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Eugène Delacroix — A liberdade guiando o povo (1830) │© Eugène Delacroix / WikiCommons

Na segunda metade do século XVIII a monarquia francesa tinha perdido todo o controle e a solvência das contas públicas em função de todos os gastos militares com disputas territoriais e políticas. A situação econômica ficou ainda mais deteriorada após os rigorosos invernos da década de 1780, que levaram a uma escassez da oferta de alimentos. Sofrendo as intempéries de uma economia em recessão e motivados pelos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, o povo francês iniciou uma revolução que tinha a disputa de classes em seu interior. E os revolucionários, que nasceram como resposta à má gestão da monarquia, deterioraram ainda mais as finanças públicas.

Depois da tomada da Bastilha, a Assembleia Nacional dos revolucionários se estabeleceu como centro do novo governo francês e implementou uma série de medidas econômicas marcadas pela urgência de uma classe que tinha como objetivos principais a diminuição da desigualdade e o restabelecimento de um Estado que preconizava maior justiça social. Em 19 de setembro de 1789 o Comitê de Finanças propôs a impressão dos assignats, a nova moeda francesa que era agora lastreada pelo estoque de propriedades que os revolucionários confiscaram durante a revolução. Aproximadamente 400 milhões de dinheiros franceses foram postos em circulação e, a princípio, a ideia era que o papel moeda representasse parcelas de terra e, quando essa propriedade fosse vendida, o assignat também deixaria de existir. Obviamente, não deu certo e a impressão de moeda escalonou para níveis inflacionários.

Essa injeção de dinheiro tinha objetivos nobres de impulsionar a economia francesa e distribuir renda. Para tal, até foram feitas notas de menor valor para incentivar o volume de transações comerciais e aumentar a liquidez dos grupos mais pobres, e as moedas que começaram com os valores de 200 até 1000, passaram a ser impressas com os valores de 5 libras francesas. A produção da economia não conseguia acompanhar a produção monetária e a consequência destes atos foi o que se vivenciou em diversos momentos da história macroeconômica: inflação. À essa altura a nobreza que não havia sido guilhotinada tinha fugido e se protegido de toda a ruína econômica que havia se tornado a França, enquanto os burgueses, agentes muito ativos na deposição do antigo regime, se viam sem condições de produzir pelo temido congelamento de preços.

Os “assignats” foram as moedas criadas após a revolução francesa. Eles eram notas oficiais que asseguravam o valor aos seus proprietários. A primeira nota tem o valor de 80 livres (quatre-vingts livres) e a segunda equivale a 5 livres (cinq livres).

Sim, o maior sintoma de que um Estado está perdido e não sabe lidar com a inflação é o congelamento, seja no Brasil dos anos 1980, na Argentina de 2019 ou na França de 1790. O Comitê de Finanças então proibiu toda transação comercial que não fosse feita com assignats, e todo bem que fosse trocado por ouro, prata ou qualquer outro substituto da moeda poderia gerar uma pena de morte para os comerciantes. A Assembleia Nacional se recusava a honrar suas dívidas com os produtores nacionais, que só podiam aceitar uma moeda totalmente desvalorizada em troca de sua produção e ainda eram terminantemente reprimidos ao sinal de reajuste de preços. Esse estrangulamento da produção levou a economia francesa para mais um caso de crise de abastecimento.

A distribuição de renda objetivada só deteriorou durante a revolução. Uma das faces da inflação é que ela é mais perversa sobre que tem menos renda e quem depende da moeda para conservar valor, não podendo arcar com os custos de colocar esse dinheiro em bancos ou investir em ativos, como ouro ou moeda estrangeira, para se proteger da desvalorização. Assim, todo o poder de compra se esvaiu da mãos de quem já tinha muito pouco. A nobreza, para driblar a perda de valor, poderia comprar imóveis, poderia adquirir joias, poderia fugir.

Isso tudo aconteceu em meio a disputas de jacobinos e girondinos, nobres e revolucionários guilhotinados e ideais esquecidos no meio do caos. E é compreensível que no século XVIII uma revolução tivesse realmente esse alto custo, político e econômico, afinal todas as instituições monárquicas foram destruídas e deram lugar a um governo de experimentalismos que tentava ser mais justo e dar poder ao povo. Anunciar e apontar inimigos é um estratégia adotada por todo e qualquer grupo que queira alçar o poder, mas é importante chegar em coalizões que possam melhorar o bem-estar para o conjunto de todos esse grupos e trazer alguma estabilidade necessária pro funcionamento de um ambiente econômico-social saudável. Ou na primeira oportunidade um novo salvador chegará para crescer onde outros falharam, dando espaço napoleões e messias.

Esse texto é baseado no artigo Banknotes on the French Revolution de John E. Sandrock e nos ensinamentos sobre economia de guerras do professor Luiz Antônio de Lima Junior. O texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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