O que a Economia Comportamental pode nos ensinar sobre nós mesmos?

O resultado dos experimentos aplicados na Conversa de Economia de junho.

João A. Leite
Revista Jabuticaba

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No dia 6 de junho, tive o prazer de apresentar mais uma da “Conversa de Economia”, projeto organizado pelo EcoNúcleo que propõe aos alunos do curso de economia apresentarem seminários no estilo TED Talks sobre assuntos que não são tratados comumente em sala de aula.

Tendo em vista minha passagem pela LANP, elegi Economia Comportamental como tema e optei por uma apresentação interativa recheada de experimentos pelos quais explicaria alguns conceitos de que nos ajudam a entender o processo decisório e cognitivo das pessoas. Para completar a experiência dos participantes da conversa, prometi uma análise das respostas agregadas dos experimentos, para comparar com o resultado esperados de acordo com a literatura.

Antes de apresentar as perguntas dos experimentos e as respostas, é importante sinalizar que não me preocupei em criar as condições ambientais ideais para os participantes, nem me ative aos procedimentos amostrais necessários para que um experimento seja considerado estatisticamente significativo. Os experimentos foram em parte retirados (ou baseadas) no livro “Rápido e Devagar: Duas formas de pensar”, de Daniel Kahneman e na apresentação feita pelo Rafael Jordão no 3º Workshop de Economia Comportamental da LANP.

Iniciei a com uma tentativa meio malsucedida de enquadrar minha audiência no Efeito Halo enquanto me apresentava, infelizmente, seria necessário a presença de pessoas que não me conheciam, o que não era o caso para aquela plateia. Explicar essa ideia demandaria algumas linhas, mas pretendo aplicá-la novamente algum dia, quem sabe dá certo? Talvez algum dia eu explique melhor.

Bem, tendo em vista a falha no primeiro experimento, parti para o seguinte. Apliquei um questionário com uma bateria de questões curtas, mas não tão simples como parecem. A amostra foi de 29 participantes, a maioria estudantes de economia e dividindo-se quase igualmente entre homens e mulheres, sendo que 17 pessoas já possuíam algum conhecimento prévio sobre economia comportamental. Antes da aplicação do experimento, instruí 3 simples regras:
I) Não é permitido consultar qualquer material ou colega.
II) Não existe resposta certa ou errada, expresse seu pensamento!
III) Vocês terão apenas 3 minutos para responder.

Claro que dei alguns minutinhos a mais, 5 pra ser mais preciso. Tendo em vista a dimensão de algumas perguntas, optei por dois modelos de questionários, A e B. A diferença entre eles, explicarei em breve, devo ressaltar que 14 pessoas responderam o modelo A e 15 o modelo B.

A primeira pergunta foi quase uma pegadinha: “João comprou um cigarro de palha e um cafezinho por 1,10 reais. O cigarro custa um real a mais que o cafezinho. Quanto custa o cafezinho?”. Meu objetivo era demonstrar um pouquinho as diferenças entre o Sistema 1 e o Sistema 2, propostos teoricamente por Kahneman para ilustrar duas formas que temos de pensar. Nosso Sistema 1, rápido, intuitivo e automático, poderia nos levar a responder logo de cara 10 centavos, contudo, nosso Sistema 2, mais lento, reflexivo e controlado, poderia nos levar a pensar mais a fundo sobre essa questão e descobrir a resposta correta, 5 centavos. E advinha o que a maioria das pessoas respondeu? Apenas 8 pessoas responderam 5 centavos.

Depois deste resultado, é possível indagar se a maioria ali estava em um situação de conforto cognitivo, ou seja, aquele tipo de contexto em que você está relaxado, pensado predominantemente através do Sistema 1, respondendo há estímulos de forma mais intuitiva e instintiva. Pois bem, a segunda questão buscava detectar contexto de conforto cognitivo nos participantes. Pedi para que as seguintes alternativas fossem julgadas como verdadeiras ou falsas:

( ) Getúlio Vargas nasceu em 1880.
( ) Getúlio Vargas nasceu em 1884.
( ) Minas Gerais foi estado brasileiro que mais produziu leite em 2016.
( ) O Rio Grande do Sul foi estado brasileiro que mais produziu leite em 2016.

Essas opções foram apresentadas de forma um pouquinho diferente, para o questionário A, a primeira e a terceira alternativa estavam em negrito, para o questionário B, o inverso. Será que o fato de uma alternativa ser apresentada em negrito funcionaria como um conforto cognitivo, induzindo o participante a considerá-la verdadeira? Bem, as respostas no questionário indicaram que não, mas ao comentar a questão com a platéia, algumas pessoas disseram se sentir induzidas por mim ao erro, que as opções salientadas em negrito eram armadilhas e, portanto, falsas.

Curiosamente, quase todos os questionários continham ao menos uma opção em negrito como verdadeira. Devo admitir que enganei todos eles, mas não como esperavam: todas as opções eram falsas. A análise do conforto cognitivo não foi lá tão bem sucedida, mas suspeito que este resultado foi fruto do enquadramento das questões que teve um curioso efeito inesperado, adorei! A forma como as opções foram apresentadas foi muito mais relevante para explicar a resposta do que as informações de fato contida em cada uma. Outra curiosidade, veio do fato das alternativas serem apresentadas em pares de opções aparentemente concorrentes, que provavelmente justifica o fato de que a maioria das pessoas considerou que ao menos uma questão sobre o ano de nascimento de Vargas e o maior produtor de leite de 2016 ser verdadeira.

Seguindo nesta linha, quis brincar um pouquinho com a quebra do conforto cognitivo e ativação do sistema 2. Propus duas perguntas seguidas, simples e traiçoeiras como a do cigarro e do cafezinho. Para o questionário A, mantive a mesma fonte usada nas demais questões, Calibri 12, o que manteria um padrão confortável. Para o questionário 2, mudei para uma fonte irritante e de leitura menos confortável, Courier New 10. Será que essa mudança acionaria o Sistema 2 e deixaria a pessoa mais atenta na resposta?

Para a questão das máquinas, o mesmo número de pessoas respondeu corretamente (5 minutos) para ambos modelos de questionário, 10 pessoas. A coisa foi um pouco diferente para a questão do lago, no modelo A, as pessoas dividiram pela metade entre as duas possíveis respostas, já no modelo B, 10 pessoas responderam corretamente (47 dias). Talvez esse seja um indício de que o Sistema 2 esteve mais presente para aqueles que foram retidos do conforto cognitivo com a mudança da fonte.

A questão seguinte foi um prato cheio para nossos atalhos cognitivos. Nossa mente é uma máquina associativa que busca padrões e tenta atribuir causalidade aos eventos observados com grande frequência, o que gera uma forte tendência de nos envolvermos e inventarmos histórias para explicar o mundo ao nosso redor. Entretanto, essas histórias não necessariamente precisam ser verdade, basta que façam algum sentido na nossa cabeça, que ofereça explicações e conclusões razoavelmente críveis. Leia a seguinte descrição:

Sofia tem 21 anos, namora, é talentosa e muito inteligente. Estuda arquitetura. Preocupa-se com questões de discriminação e justiça social, também participa de manifestações antifascismo.

Pedi aos participantes que atribuíssem valores de 1 a 6 para os gêneros de filme de acordo com o que você acredita ser mais provável que ela prefira (6 representa a maior probabilidade, 1 a menor).
( ) Ficção-científica
( ) Ação
( ) Romance
( ) Filmes de época
( ) Ação com protagonistas feministas / Romance dirigidos por mulheres feministas
( ) Suspense

Na quinta alternativa, fiz uma pequena traquinagem. Repeti uma opção de gênero anterior adicionando uma informação específica sobre tendências feministas, utilizei o gênero de ação para o modelo de questionário A e romance para o B, queria que o gênero em si não fossa uma âncora de julgamento, mas sim a informação extra. Ao inserir detalhes que pareciam se encaixar com a história descrita, as pessoas atribuíam maior peso e ignoravam a coerência lógica. Tratando-se de probabilidade, devemos levar em consideração princípios matemáticos: em todo o conjunto de filmes de ação (ou romance) existentes, existem vários subgêneros com especificidades, logo, o número existente do subgênero feminista deve ser necessariamente menor ou igual ao total do gênero. Desta forma, é estatisticamente errado atribuir maior probabilidade de que o filme de ação com protagonistas feministas seja preferido ao gênero genérico de ação (o mesmo se aplica ao romance).

Consegue imaginar qual foi o resultado? Antes de mais nada, devo ressaltar que muitas pessoas tiveram dificuldades para responder a esta pergunta de maneira correta, a maioria do questionário A. Apenas uma pessoa não considerou o subgênero feminista mais provável que o gênero abrangente, os demais foram convencidos pelo poder da coerência narrativa a eleger a versão com mais detalhes como a melhor.

Outra peça que nossa mente nos prega, acontece através da nossa memória recente. O viés de disponibilidade descreve nossa capacidade de atribuir maior consideração ao que está mais latente na nossa memória. É o tipo de conceito que explica o que leva as pessoas a terem mais medo de viajar de avião após um episódio recente de acidente aéreo, enquanto permanecem andado de carro todos os dias, enquanto a porcentagem de acidentes de carro e consideravelmente maior que a de acidentes de avião.

Pensando nisso, pedi aos participantes que classificassem a ordem de algumas causas de morte no Estado Unidos entre 1990 e 2000, colocando 1 para a causa mais comum, 2 ao para a segunda mais comum e assim por diante. As opções eram:
Uso ilícito de drogas
Armas de fogo
Acidentes com veículos a motor
Dieta pobre e inatividade física
Tabaco

A ordem correta de resposta era 5, 4, 3, 2, 1. Ninguém acertou a sequência completa, mas muitos chegaram perto. Há, contudo, um detalhe importante, as opções que foram mais cotadas ao primeiro lugar como causa de morte foram respectivamente “dieta pobre e inatividade física” e “armas de fogo”. Pare e pense um pouco sobre eventos recentes nos EUA que resultaram em morte. Provavelmente você se lembrará rapidamente dos eventos recentes de massacres em escolas ou locais públicos provocados por atiradores civis fora de controle. Entretanto, estes acontecimentos ganharam grande visibilidade na mídia na virada do século, não ao longo dos anos 90, ainda assim, essas informações salientes e disponíveis na memória foram tomadas como âncora para deduções, inferências e decisões.

Meu próximo passo na bateria de experimentos foi consultar as preferências da audiência. A teoria econômica tradicional pressupõe que os agentes possuem preferência estáveis. Mas será que na prática também é assim? Consultei meu colegas sobre a seguinte questão: “O que você prefere, ganhar 70 reais com certeza ou 100 reais com 70% de chance?”. Um indivíduo racional, tomaria esta como uma questão de valor esperado:

50 x 100% = 50 reais
100 x 70% + 0 x 30% = 70 reais

Tendo em vista estes valores, fica explícito que o valor esperado da segunda opção é maior, contudo ele não configura um ganho garantido. Desta forma, optar pela primeira opção demonstra em certa medida aversão à perda, a pessoa prefere garantir um ganho mais baixo do que arriscar um ganho maior sob o risco de não ganhar nada. A aplicação deste experimento costuma ter como resultado maior número de pessoas preferindo a opção de ganho certo, o que não foi o caso da minha amostra, os participantes de dividiram igualmente entre as opções.

Quis tentar captar também a Teoria do prospecto proposta por Kahneman e Tversky, fiz duas perguntas seguidas:

As duas perguntas, são em essência a mesma, o que muda apenas é que na primeira estamos no campo dos ganhos, na segunda, das perdas. Desta forma, é razoável pensar que se uma pessoa optou por menor risco na primeira pergunta, ela optaria novamente por menor risco na pergunta seguinte, demonstrando estabilidade em suas preferências em relação ao risco. O que observa na maioria das vezes é que há uma reversão: no campo dos ganhos as pessoas se mostram avessas ao risco e preferem garantir um ganho menor e certo, enquanto no campo das perdas preferem arriscar perder um pouco mais, havendo a chance de não perder nada, semelhante a uma situação de “está no inferno, abrace o capeta”.

Minha amostra demonstrou incrivelmente bem este comportamento, 23 pessoas reagiram como previsto pela teoria do prospecto.

Por fim, quis captar se haveria uma reversão de preferências na dimensão intertemporal. É sabido que as pessoas tendem a priorizar ganhos de curto prazo do que de longo prazo, o que explica por exemplo sair da dieta, preferir gastar a poupar e evasão escolar, é como se tivéssemos uma visão míope. Este fator de viés do presente afeta bastante nossas decisões econômicas e pode nos levar a situações futuras preocupantes. Neste sentido, propus as seguintes questões:

Novamente, nos deparamos com duas questões muito parecidas, sendo a segunda apenas uma extrapolação de um ano a frente da primeira. Outras aplicações deste experimento revelaram que a maioria das pessoas escolhe receber 100 reais hoje, mas quando se veem obrigadas a esperar por um ano, preferem esperar mais uma semana. De certa forma, isso também demonstra uma reversão de preferência. Podemos imaginar a existência de dois “eus”, o “eu presente” e o “eu futuro”. O “eu presente” tende a querer seu próprio prazer e delegar ao “eu futuro” o ofício de atividade chatas e pouco prazerosas, o que requer bastante autocontrole. Quando o futuro se torna presente, contudo, o mesmo dilema se apresenta, afinal os dois “eus” são a mesma pessoa, o destino do “eu futuro” é se torna “eu presente”. Já de deparou com uma bola de neve de procrastinação de atividades da universidade? Pois é…

Os resultados que obtive da amostra foram um pouco diferentes do que se esperava, apenas 9 pessoas reverteram suas preferências. Talvez isso se justifique por se tratar de uma amostra de estudantes de economia que são constantemente forçados a pensar no longo prazo em relação à alocação de recursos.

E aí, gostou? Me conta o que achou mais interessante! Foi um grande prazer executar esses experimentos, analisar os dados e agora, escrever os resultados. Cada vez que me proponho a fazer isso aprendo um pouquinho mais e me instigo a melhorar meus conhecimentos na área da economia comportamental e experimental.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

Texto publicado também na versão Textos para Discussão do EcoNúcleo.

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João A. Leite
Revista Jabuticaba

Mineiro e bacharel em ciências econômicas pela UFJF. Externalizo aqui alguns pensamentos, análises e reflexões que ebolem na minha mente inquieta.