Um recorte rural para o desenvolvimento

Silas Pereira
Revista Jabuticaba
Published in
4 min readAug 21, 2020

Meu interesse por estudos regionais iniciou-se mais ou menos no meio da minha graduação quando pude cursar a disciplina de econometria espacial, começando a entender o papel dos transbordamentos socioeconômicos em uma sociedade.

Quando digo “transbordamento”, me refiro ao efeito, positivo ou negativo, que um agente pode exercer sobre seu entorno, os ditos spillovers. Assim, quando uma universidade abre um campus avançado em uma cidade, por exemplo, o acesso à educação pode melhorar não somente para os moradores locais, como para toda a população da região; por outro lado, se uma empresa polui um rio que abastece inúmeras pessoas, a saúde de todos os moradores que utilizam a água ficará comprometida, independente de onde residam.

Fonte: Canal Rural

Na literatura, Myrdal já mostrava como círculos virtuosos, tanto positivos quanto negativos, poderiam perpetuar a situação de uma região. Tá aí outra paixão, desenvolvimento, no sentido entender como se dá a melhora do bem-estar e como deve ser orientada a esfera política para promover uma maior equidade social, sanando desigualdades regionais. A disciplina de desenvolvimento socioeconômico teve uma influência bem forte nesse meu interesse, mas tudo começou quando entrei em um projeto de pesquisa, que acabou se tornando minha monografia. O objetivo me brilhou os olhos, entender o desenvolvimento da região rural de Minas, como ia sempre para uma roça com meus avós na infância, era possível ver bem de perto as diferenças entre as propriedades, algumas tinham plantações de perder a vista e outras bem menores à beira da estrada.

Entender o bem-estar como um fenômeno influenciado por inúmeros fatores subjetivos implica em dificuldades de acesso à dados. Uma variável isolada talvez não consiga explicar a qualidade de vida de uma população. Dessa forma, foi utilizada a Análise Fatorial para para elencar todos os fatores que impactam sobre o desenvolvimento rural e criar um índice de desenvolvimento. Os resultados do índice para os anos de 2006 e 2017 podem ser encontrados na Figura 1, a fim de investigar espacialmente as diferenças regionais e os agrupamentos de bem-estar.

O retrato rural encontrado em 2006 e 2017 mostra a coexistência de regiões com alto desenvolvimento rural (de cores mais quentes) e regiões de baixo bem-estar rural (de cores mais frias), sendo reflexo de uma dualidade socioeconômica presente no território mineiro. A concentração espacial chama atenção para dois padrões de desenvolvimento principais: o primeiro encontrado no Sul, Triângulo e Noroeste de Minas, que formam um grande cluster de alto desenvolvimento; e o Norte de Minas compondo o segundo grupo, caracterizado por um baixo padrão de bem-estar, com exceção de um pequeno agrupamento de alto desenvolvimento no entorno de Montes Claros.

A situação favorável do primeiro grupo pode estar atrelada a capacidade produtiva da região, denotados pelo Fator Produtivo encontrado na Figura 2. A região se manteve relevante desde a produção cafeeira e a extração de metais preciosos com o estabelecimento de entrepostos comerciais que eram responsáveis pelo abastecimento local. Além disso, políticas voltadas para a expansão da capacidade produtiva iniciadas na década de 1970 foram focalizadas em alguns municípios do triângulo mineiro, também exercendo papel importante para o bem estar nas comunidades rurais da região.

O segundo agrupamento, composto por municípios do Norte e Vale do Jequitinhonha, retrata um padrão de baixo desenvolvimento rural, que pode ser influenciado pela concentração espacial da qualidade de vida e infraestrutura dos domicílios, conforme os indícios encontrados na Figura 3. Tamanha discrepância na região pode ser justificada pelas condições precárias de saneamento e abastecimento de água, bem como pela alta concentração de terras produtivas na região e na presença de pequenos nichos de riqueza em meio à pobreza.

Acredito que dentre as conclusões da pesquisa, elencaria a necessidade de inserir o componente regional nas elaborações de políticas públicas como a principal contribuição. Devido a existência de uma dualidade socioeconômica no estado, o território mineiro carece de medidas específicas, voltadas principalmente para a região norte, seja para a melhora nas características produtivas da região, seja nas condições da qualidade de vida, visando uma maior equidade no acesso à serviços básicos e oportunidades individuais. Neste sentido, políticas públicas já existentes exercem um papel extremamente relevante, como o PRONAF, que garante ao pequeno produtor acesso à canais especiais de crédito, e o programa Luz para Todos, que expandiu o fornecimento de energia elétrica aos moradores rurais.

Sobre o autor:

Hello there! Meu nome é Silas, mestrando em economia aplicada na Universidade Federal de Viçosa. A experiência que tive com a pesquisa na graduação moldou minha formação e determinou qual o profissional que eu pretendo ser no futuro. E uma dica aos leitores: experimentem todas as oportunidades que a universidade lhe proporcionar, seja em projetos de extensão, na dedicação ao ensino ou até mesmo na própria pesquisa. Se encontrar, como indivíduo, como profissional e, para os colegas de profissão, como economista, é uma sensação bem boa viu.

Esse texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

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