United States of Brazil

Waldisio Araujo
Revista Krinos
Published in
6 min readMay 13, 2016
Montagem do Autor

Muitos brasileiros (talvez a maioria) têm-se enredado nos últimos meses na defesa ou ataque mútuos entre candidatos e partidos, como se por si só indivíduos ou grupos políticos tivessem grande controle sobre forças mais poderosas que eles e que atuam de maneira avassaladora sobre os destinos individuais e coletivos. O problema é que todas as comparações e relativo sucesso do Brasil com o mundo, aliás também em crise, torna o país alvo de pressões externas que nos obrigam a tomar partido ainda que muitas vezes não percebamos claramente nossas próprias razões para fazê-lo.

Em meio a sua própria crise, os Estados Unidos mostram-se claramente interessados nos rumos do recente processo eleitoral brasileiro e nas decisões de governo. Atualmente, sua crise e a opinião pública mundial não lhes permitem interferir diretamente, mas sua atuação silenciosa é às vezes intercalada por vozes que gostariam de falar mais abertamente sobre a conveniência de um realinhamento brasileiro às ambições americanas e pró-americanas. Basta pensarmos nas declarações recentes de poderosíssimas empresas petrolíferas norte-americanas para termos uma ideia do quanto tal realinhamento seria para eles bem vindo. Afinal, para os norte-americanos (eles, sobretudo, mas grandes potências políticas e empresas estrangeiras lhes fariam coro), seria motivo de alívio e imensa comemoração:

  • Quebrar o isolamento dos EUA frente à América Latina (hoje eles se encontram obrigados a tentar estender seu domínio para o Pacífico, já que o mais “apetitoso da AL está com os bolivaristas (especialmente na Venezuela, Equador e Bolívia) e com o Mercosul (especialmente o Brasil). Esses blocos têm rejeitado a tradicional subserviência de seus países aos interesses norte-americanos.
  • Voltar a relacionar-se bilateralmente, país a país, ao invés de negociar com blocos de nações. Assim a diferença de poderio econômico e militar voltaria a pender os negócios sempre mais para o lado norte-americano. Nesse sentido, a desestruturação do Mercosul seria, obviamente, para eles uma dádiva.
  • Retomar para seu lado a imensa fonte de matérias-primas abundantes, mão de obra barata e mercado submisso representada pelo Brasil.
  • Curar a gigantesca crise que assola os próprios EUA, que precisam, como sempre, de escoadouro para seus capitais, os quais poderiam desafogar-se livrando-se de empresas estatais como a Petrobrás (ou ao menos interrompendo a forte concorrência que elas lhes tem interposto).
  • Reinstalar ideológica e culturalmente, no Brasil, o ‘american way of life’, o padrão político, intelectual e estético que oprimiu (e em grande parte ainda oprime) o modo de viver e de fazer cultura dos brasileiros.
  • Reinstalar as condições de precariedade da vida do brasileiro médio, se possível com redução salarial, desemprego e baixo nível de escolaridade, a fim de que as filas de miseráveis procurando emprego e melhores condições de vida os levem a trocar seu trabalho por qualquer bagatela salarial e, assim, fornecer mão-de-obra barata para empresas americanas ou com forte capital norte-americano.
  • Enfraquecer os mecanismos financeiros da América Latina, mediante a retirada do peso regulador financeiro de instituições estatais como os bancos centrais dos países de nossa região — preferentemente com o enfraquecimento de instituições como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, que os americanos gostariam de tirar do caminho dos bancos particulares (Bradesco, Itaú, Santander etc.), mais sintonizados com o capital norte-americano.
  • Reorientar o Brasil e outros países latino-americanos para a dependência e controle do FMI e ao Banco Mundial, se possível nos termos neoliberais, levando esses países a abandonar as restrições ao livre mercado — com a ressalva de que os próprios EUA nem por isso deixam de exercer protecionismo sobre suas próprias empresas nacionais e respectivos produtos. Tais medidas realinhariam o Brasil ao chamado Consenso de Washington, que, em seus dez mandamentos, preconiza, entre outras coisas, deixar os juros e o câmbio à mercê das forças do mercado, abolir restrições ao capital estrangeiro, privatizar as estatais e enfraquecer as leis trabalhistas.
  • Extinguir ou controlar o Pré-Sal brasileiro, ou ao menos destinar seus prováveis frutos a interesses mais diretamente empresarias, e não a programas sociais, e muito menos à educação.
  • Fortalecer as alianças com o grande empresariado brasileiro, substituindo a relativamente (em termos históricos) elevada distribuição de renda atual pela concentração de riqueza em mãos mais dóceis e bem localizadas.
  • Impedir a todo custo a integração econômica dos BRICs (países emergentes, sobretudo Brasil, Rússia, Índia e China), particularmente inviabilizando a formação de um banco central desses países que venha a decretar a independência frente ao tradicional e praticamente obsoleto controle do FMI e do Banco Mundial). Afinal, as nações do BRIC respondem por uma fatia imensa das populações, mercados e matérias primas do planeta, antes drenados quase que monopolisticamente para os países ricos. Ter a concorrência de um bloco mais independente é para os EUA simplesmente um desastre em relação a suas ambições.
  • Fazer pensar que o alto endividamento de uma empresa estatal como a Petrobrás — coisa comum em empresas desse tipo, que costumam endividar-se bastante por pesada necessidade de investimento — seria efeito necessário de um sucateamento, ineficácia, má administração e foco interno de corrupção. O objetivo internacional aqui pode ser o de desviar a perspectiva e preparar o terreno político para instaurar no governo brasileiro forças que venham a sabotar o papel social de tais empresas e promover um movimento de privatizações a preço de banana para o capital estrangeiro (além, é claro, de impedir que uma grande produção nacional de petróleo venha a provocar uma queda drástica e ameaçadora do preço internacional de combustíveis fósseis).

Em suma, como diz o Emir Sader:

“Tudo o que os EUA querem é que o Brasil mude radicalmente de política, de inserção internacional, de modelo econômico, de discurso politico, de alianças na região e no mundo. Tudo o que os EUA querem é que o candidato da oposição faça retornar o modelo de governo de FHC e a política de subserviência em relação aos EUA.”

Em outras palavras, e parodiando a ditadura militar, o que é bom para os Estados Unidos é péssimo para o Brasil, e o melhor para nós é que eles permaneçam às voltas com a crise deles, ao menos enquanto tentamos driblar nossa própria crise a partir de medidas que privilegiem o próprio Brasil.

Não é preciso muita perspicácia para perceber que gente como Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso, José Serra ou, ao menos no cenário atual, Michel Temer tem ampla simpatia e mesmo alinhamento com esses desejos norte-americanos, e não é preciso muita inteligência para desconfiar de que tem havido muito dinheiro e esforço norte-americanos injetados subterraneamente nas últimas campanhas eleitorais e midiáticas (quiçá judiciárias) para desestabilizar e derrubar o governo Dilma Rousseff.

O que a mídia, os conservadores, as bancadas evangélicas, os militares de velha guarda, os americanófilos e os grandes empresários querem para o Brasil não é um(a) presidente da República brasileira, mas um Vice-Rei dos Estados Unidos numa colônia brasileira ressuscitada — uma extensão de interesses alienígenas que buscam esconder-se por trás de acusações de que uma ilha pobre e politicamente isolada (Cuba) estaria prestes a apoderar-se do Brasil por intermédio de um partido de esquerda que nem comunista é e que tem contra si tanto a força militar quanto a midiática. Ao contrário da “ameaça comunista” que o PSDB plagia da falecida ditadura desde que perdeu a eleição, o que está em jogo é o perigo de sermos novamente entregues ao controle político e ideológico de uma superpotência mundial historicamente belicosa e ambiciosa, além de economicamente inescrupulosa. Nesse contexto, Aécio talvez não passe de uma espécie de Obama com vitiligo; e a desculpa da “alternância de poder” que seus partidários querem incutir na população, nada mais é que reintegrar o país a seus antigos e poderosos “donos”.

Pelo discurso de posse do atual presidente interino, Michel Temer, e pelo discurso veiculado em rede nacional logo após o afastamento de Dilma, pelo presidente do PSDB, Aécio Neves, fica mais do que claro que esse realinhamento já começou e está em pleno curso. À revelia das decisões do Governo democraticamente eleito nas últimas eleições, o nosso Congresso já estava aprovando uma série de medidas nesse sentido. Faltava a cajadada final, impetrada nessa semana através da maior farsa da história política do Brasil travestida de legitimidade.

Waldísio Araújo
Agradecimentos pelas sugestões e revisões do amigo Gilberto Miranda Junior.

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