Violência e Desagregação Social

Ana Lucia Tersariol
Revista Krinos
Published in
4 min readJul 2, 2016

No Brasil, a violência, principalmente a urbana, vem crescendo paralelamente ao desenvolvimento de uma sociedade extremamente individualista e consumista, com rupturas da integração social. É possível afirmar que o status de cidadão e até mesmo o status de sujeito está condicionado à capacidade de consumir. Essa evolução é o reflexo de um desmantelamento social, de um mal-estar coletivo e da perda de confiança nas instituições públicas com a ausência do Estado na esfera social nas periferias, favelas e outras regiões mais pobres.

Para Dunker parte desse momento de conflito que vivemos se baseia na “condominização” da sociedade que conduz uma forma de viver alimentada pela hiperindividualização e pelo encolhimento do espaço público. Ele localiza as raízes da “cultura de condomínio” na década de 1970, durante a ditadura militar, quando começou a desenvolver um modelo de vida com segurança e repleto de muros, não só na forma de morar, mas também se expandindo em todos os ambientes controlados e cheios de regras.

Embora a pobreza não possa ser considerado em si um elemento gerador de violência, não dá pra dissociar que a abissal desigualdade social e a indiferença dos setores dominantes geram ressentimentos e ódio dentro da sociedade, os quais se manifestam também em forma de violência e criminalidade, atingindo a população mais pobre, negra e mais jovem, e configurando uma perversa hierarquização classista e racista que frequentemente usou, e usa, um modelo violento para manter a ordem social.

Dentro dessa sociedade de necessidades cada vez mais fabricadas e artificiais, viver sem dinheiro promove uma desvalorização do indivíduo, do “outro”, e isso é uma das faces da violência, pois para muitos pesquisadores da área e acadêmicos “a violência constitui um tipo de relação social marcada pela negação do outro”.

Na nova ordem sócio-econômica que a urbanização contemporânea se desenvolve :

(…) acirra as relações de contrastes entre o esteticamente belo e o disforme, os prazeres e as dores, a riqueza e a miséria.

Emergem planos e propostas de gestão das cidades, com mecanismos de controles participativo ou autoritário para dar conta de processos segregativos.

Tanto as classes de trabalhadores nas periferias, as áreas faveladas ou as chamadas baixadas, como as classes abastadas nos condomínios de luxo, que contornam as cidades, são atingidas pela lógica perversa e agressiva da busca pela lucratividade. Embora de modo diferenciado a segregação social das classes abastadas é promovida pela necessidade de distanciamento dos problemas sociais que causam os setores populares. Estes, ao serem premidos socialmente pela barbárie, apelam para a violência, que tanto medo causam aos ‘felizes’ moradores dos condomínios de luxo” (SÁ, BARBOSA, apund in (YOSHINAGA CARLOS e SILVA, 2011).

Para Luis Eduardo Soares:

(…) temos que entender que o que esta em jogo na violência letal é muito mais do que simplesmente o valor do dinheiro ou do acesso ao objeto de consumo para atender as necessidades físicas.

A questão, então, não é só econômica e social mas, é fundamentalmente cultural, na concepção antropológica da palavra.

Nós aprendemos a ser violentos. Não é natural, não se dá mecanicamente o salto da indigência, da desigualdade, do sofrimento econômico para a posse de armas, para o assalto, o tráfico…

Há mediações culturais, há todo um processo de educação para o mal, de educação para, e na violência, assim como há também a educação para, e na paz.

Quando um garoto, ou até um mesmo um menino “aceita” a violência, sabendo que a paisagem é a derrota, que o horizonte é o medo e que a morte trágica será, provavelmente, o fim disso tudo, ele aposta na participação a um grupo e na adesão às determinadas práticas, há toda uma construção de referências. Quando busca erguer-se da invisibilidade, procura um espelho, um farol uma orientação, uma bússola, um mapa, que lhe de régua e compasso, e lhe permita caminhar e transitar no mundo dos seres humanos com algum valor, alguma dignidade.

A mídia permanentemente associa masculinidade, virilidade e agressividade. Na nossa cultura ainda para ser homem se deve aprender a ser violento.

Assim, parece que a sociedade brasileira não consegue enxergar que suas próprias estruturas produzem e perpetuam violências ao reduzir as pessoas em coisas, ao negar suas identidades, ao aprofundar os abismos sócio-econômicos; ao não combater intolerâncias religiosas, sexuais, políticas, e considerando apenas como violência,a violência física, letal, promovendo uma certa naturalização das relações sociais.

Referências

ADORNO, S. O Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: (ORG) MICELI, S. O que ler na ciência social brasileira 1970–2002. São Paulo: Sumaré, v. IV, 2002. p. 268–307. Acesso em 01/07/2016 em Portal ANPOCS.

MARTINS, A. O Brasil sob a lógica do condomínio? Outras Palavras, 16 Abril 2015. Acesso em 01/07/2016 — http://outraspalavras.net/blog/2015/04/16/o-brasil-sob-a-logica-do-condominio/

Soares, Luiz Eduardo — Balanço da Violência e Fragmentação Social https://www.youtube.com/watch?v=-1C7cBxNI5w

YOSHINAGA CARLOS, V.; SILVA, G. D. Violência, Estado e Capitalismo — o envolvimento de adolescentes na criminalidade diante da lógica excludente. V Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luis — MA, 2011. Acesso em 01/07/2016 em JIPP

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