(Foto: Rio 2016/Alex Ferro)

Os legados pós-Olimpíadas

O que os Jogos Olímpicos do Rio podem deixar de positivo ou não para a cidade e para o país?

Revista Lampejos
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11 min readOct 19, 2016

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Ingrid Midory, João Pinheiro e Valquiria de Carvalho

Nota: A reportagem a seguir faz parte de uma coletânea de reportagens sobre as Olimpíadas do Rio de Janeiro, na qual reportamos as expectativas um mês antes do início das competições.

Durante cerca de dois meses — entre 3 de agosto e 18 de setembro — o Brasil, e principalmente o Rio de Janeiro, viveu um momento de êxtase. As Olimpíadas de 2016 mudaram o eixo do mundo momentaneamente para a Cidade Maravilhosa.

Um mês após o final dos Jogos do Rio, vamos comparar os resultados do maior evento esportivo mundial com as expectativas e hipóteses levantadas na primeira reportagem da série “​Os legados das Olimpíadas”​.

“Nasce hoje um mundo novo. Trabalhamos 7 anos numa jornada de superação, de paixão pelo esporte. Lembrem-se: os filhos do Brasil não fogem à luta. São fortes! Agradeço a todos os voluntários que nos honram com seu trabalho, com seu orgulho. Este era um sonho; hoje é a realidade. Rio está pronto para fazer história”.

Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, durante seu discurso. Ao fundo, Thomas Bach, presidente do COI. (Foto: David J. Phillip/AP)

Foram estas palavras que Carlos Arthur Nuzman usou em seu discurso na Cerimônia de Abertura das Olimpíadas de 2016, no Estádio do Maracanã. Diante das dezenas de milhares de espectadores, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e ex-jogador de vôlei ressaltou que a cidade do Rio de Janeiro se modernizou e se tornou outra, graças aos investimentos de peso para a realização do evento.

A seguir, será feita uma análise sobre o impacto do evento e as mudanças que ele trouxe, agora, num momento no qual os holofotes deixaram a cidade maravilhosa, os atletas retornaram a seus países e os turistas não mais ocupam na mesma intensidade as praias e pontos turísticos.

Os legados prometidos

Discussões sobre a qualidade das obras e o legado das Olimpíadas não vêm de hoje. A pouco mais de quatro meses para o início das competições, uma das construções-legado do evento ganhou as manchetes do mundo, não pelos benefícios que traria à população, mas pela tragédia que pôs em xeque as autoridades.

Em 21 de abril, um trecho da Ciclovia Tim Maia desabou, levando consigo a vida de dois homens que passavam no momento do ocorrido. A obra, inaugurada três meses antes do ocorrido, era apresentada como um dos legados dos Jogos Olímpicos.

Este é apenas um exemplo das consequências da construção de obras de última hora. A menos de 100 dias para o início dos Jogos, várias das promessas ainda estavam em atraso. A Linha 4 do metrô, o velódromo e o Engenhão podem ser incluídos na lista. Inclusive algumas instalações ditas prontas não tinham sido concluídas de fato.

Foi o caso do Estádio Aquático Olímpico, inaugurado no início de abril para sediar o Troféu Maria Lenk, mas fechado ao público por conta das obras que ainda eram realizadas no local. Entretanto, segundo a Prefeitura do Rio, a obra estava “100% concluída”.

O Engenhão, estádio construído para o Pan de 2007, que sediou competições do atletismo e do futebol, por sua vez, passava por uma grande reforma. 15 mil cadeiras temporárias foram instaladas e toda a pista de atletismo substituída. A obra, ao todo, foi orçada em 50 milhões de reais.

Contudo, a maior preocupação era com o Velódromo, no Parque Olímpico da Barra. Prevista para o ano passado, a construção, cujo custo ultrapassa dos 140 milhões de reais, estava somente 85% pronta. O evento-teste programado para o mês de abril foi cancelado por conta disso.

Quanto à mobilidade, a Linha 4 do metrô foi a mais ameaçada por conta dos atrasos. Para agravar a situação, a violenta ressaca da última semana de abril levou consigo não apenas a estrutura física da ciclovia, como também a credibilidade dos engenheiros responsáveis pelas construções.

O futuro do Parque Olímpico é algo que também preocupa bastante. A intenção primeira do Governo Federal era a de transformar o local em um grande centro de treinamento. Já a Prefeitura pretende que espaços esportivos abriguem escolas, projetos sociais e eventos de entretenimento.

Parque Olímpico da Barra em construção, em janeiro de 2014 (esq.) e de julho de 2015. (Foto: Renato Sette Camara/Prefeitura do Rio)

Projetos importantes, como a despoluição da Baía de Guanabara, a recuperação das Lagoas de Jacarepaguá, a reforma do Complexo Esportivo do Maracanã e o plantio de diversas árvores, foram descartados até aquele momento. A data de conclusão estaria muito além do início dos Jogos.

O que fazer com as obras?

Outra questão preocupante quanto às construções para grandes eventos, como a Copa e a Olimpíada, é a utilidade das obras e seu aproveitamento após a realização dos mesmos.

Após a Copa de 2014, o Brasil ganhou os noticiários mundiais com notícias críticas aos gastos excessivos e que não trariam retorno à população. A competição, que deveria alavancar a imagem de um Brasil moderno, apenas manchou mais a reputação do país, criando um clima de tensão em relação à Olimpíada deste ano.

A maior parte da cobertura jornalística do exterior apresentava um tom negativo em relação aos gastos, aos protestos, à violência, ao atraso das obras, entre outros fatores. Uma das reportagens mais críticas foi feita pela agência Associated Press e publicada em diversos veículos.

“O Brasil gastou bilhões de dólares renovando e construindo estádios da Copa do Mundo que deveriam ajudar a modernizar e melhorar o futebol local. Quase um ano depois do fim do torneio, o país ainda está tentando decidir o que fazer com eles”, dizia a AP.

Os problemas com “elefantes brancos” — ditos como os questionamentos referentes à utilização das obras e seu aproveitamento após a realização dos eventos — também atingiram outras sedes de Olimpíadas. As últimas quatro cidades que receberam o evento tiveram como justificativa planos de legado, mas que nem sempre acabaram sendo cumpridos.

Estádio Olímpico de Londres ao fundo, em foto de 2012. (Foto: Getty Images)

Os Jogos de Londres 2012 possibilitaram um grande desenvolvimento da região leste da cidade, com descontaminação de solo e plantio de árvores. Após o evento, vários parques públicos foram inaugurados. Entretanto, o número de pessoas que não praticam nenhum esporte aumentou e muito recentemente. Com o aumento do preço no ingresso de piscinas públicas, por exemplo, quase 400 mil deixaram de praticar natação. Além disso, o Parque Olímpico Rainha Elizabeth, que custou cerca de 13 bilhões de dólares e é considerado um “elefante branco”, é motivo de muitas críticas.

Campo de Baseball de Pequim, em foto de 2012. O mato alto descaracteriza o espaço. (Foto: Getty Images)

Pequim foi uma cidade muito beneficiada com os Jogos de 2008. Novas linhas de metrô foram abertas e leis restringindo o número de carros em circulação foram aprovadas. Contudo, o crescimento desenfreado da cidade agravou ainda mais os congestionamentos, problemas sociais e a poluição. Duas das principais obras para o evento, o Estádio Ninho de Pássaro e o Cubo d’Água, hoje estão praticamente abandonadas.

Estádio também de Baseball de Atenas, em foto de 2012. O abandono fica claro pelo lixo no local. (Foto: Getty Images)

A Olimpíada de Atenas, em 2004, é considerada uma das principais culpadas pela crise que a Grécia enfrenta atualmente. Os gastos ultrapassaram o dobro do previsto originalmente. O Complexo Olímpico Helliniko, que deveria ser o grande marco dos Jogos, encontra-se hoje quase todo abandonado e à venda. Algo de bom que pode ser citado é o aumento no número de turistas, que dobrou em 10 anos.

Sydney talvez seja a cidade que mais apresenta legados positivos, desde os Jogos de 2000. As instalações criadas para a Olimpíada têm recebido diversos eventos todos os anos. O legado ambiental também foi grande. Com o evento, houve o investimento no maior parque metropolitano da Austrália, além do primeiro sistema de reciclagem de água do país. Mesmo assim, financeiramente, há críticas. Segundo dados da Universidade de Melbourne, os Jogos causaram um rombo de mais de 2 bilhões de dólares aos cofres australianos.

Transporte do futuro

Dentre os investimentos realizados para a Olimpíada do Rio, o setor de transporte foi o que recebeu atenção especial, mesmo que nem todo o planejado tenha sido realizado dentro do prazo. Três linhas de BRT (Bus Rapid Transit), a TransOeste, a TransCarioca e a TransOlímpica estão em operação desde os jogos; além disso, a nova Linha 4 do Metrô, mais uma construção olímpica, também foi entregue com prazo apertado, mas a tempo de ser utilizada para as competições.

As grandes beneficiadas destes investimentos serão a região portuária e a Zona Oeste. A primeira, rica em sua história, a mais antiga área da cidade, demanda revitalização. Turistas poderão conhecer o sítio arqueológico Cais do Valongo.

Ônibus BRT da Linha TransOeste. (Foto: mariordo59/Flickr/CC-BY)

Já a Zona Oeste, que concentra quase metade da população carioca, foi escolhida para sediar o Parque Olímpico e o Parque de Deodoro, decisão que trouxe consigo uma ampliação da rede de transporte da região, tanto com o BRT, quanto com o Metrô.

A dona de casa Nilva Correia Gardenal, 51, exaltou a organização do transporte durante o evento. Ela e o marido acompanharam boa parte dos eventos:

“O Rio se mostrou muito eficiente. Eu estava hospedada longe do Parque Olímpico, em Botafogo. Pegava o Metrô, depois a Linha 4 e o BRT. Tudo com uma rapidez impressionante. Nunca chegamos atrasados ou perdemos algum jogo por causa do transporte. Foi algo de primeiro mundo”.

Victor Pinheiro, 20, entretanto, teceu críticas ao transporte:

“O BRT foi confuso, estava em estágio inicial, algumas plataformas estavam inacabadas e o método de recarga do bilhete e do uso dele dentro dos vagões eram confusos. No metrô senti um pouco de falta de informação. Mas no final deu tudo certo e conseguimos nos locomover”.

Giovane Barros, 22, ressalta um ponto importante: a qualidade do serviço oferecido pós-Jogos. Ele chegou à cidade no período entre a Olimpíada e a Paralimpíada.

“Fiquei hospedado na Tijuca, Zona Norte do Rio, há cerca de 30 km do parque e do Riocentro. A minha sorte foi que existia um ônibus que conectava do bairro até um terminal de ligação dos BRTs. Mas pelo fato de a rotina da cidade já não estar totalmente focada nos jogos o tempo de espera deixou a desejar”.

A chama da vez

As Olimpíadas do Rio contaram com uma surpresa a mais. A pira olímpica deste ano, idealizada pelo artista Anthony Howe, surpreendeu a todos os espectadores do evento com uma estrutura cinética, que se move com o vento e acompanha a chama, e com a chama em si em um tamanho reduzido dos modelos dos anos anteriores, que traz consigo leveza e alteridade à obra.

A “Pira do Povo”. Ao fundo, a Igreja da Candelária. (Foto: Rio 2016/Alex Ferro)

Feita de metal, a estrutura contou com centenas de esferas e pratos reflexivos que foram arranjados em forma de sol ao redor da pira. Como a nova ordem desse evento foi a sustentabilidade, a chama foi reduzida de modo a diminuir o consumo de gás carbônico, assim mostrando a importância da luta contra o aquecimento global, e a necessidade de manter o tema “aceso” até o final.

Foram feitas duas versões da obra: uma que foi mantida no Maracanã, local onde ocorreu o evento de abertura e uma em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, com o intuito de deixar o espírito dos Jogos junto ao povo.

A performance realizada no Maracanã contava com um apertado orçamento, segundo informado pela comissão organizadora. De forma responsável, a coreografia conseguiu conciliar sustentabilidade e qualidade, não deixando de mencionar a história do país e suas variantes culturais.

“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. As palavras de Carlos Drummond de Andrade ecoaram pelo estádio nas vozes de Fernanda Montenegro e Judy Dench, durante a transmissão do vídeo que abordou a questão ambiental.

O apelo contra a devastação da vida na Terra causada pela própria humanidade (degelo dos polos, emissão de gases, queimadas) resumiu-se num singelo gesto: uma criança caminhando pelo centro da arena, até se deparar com uma muda de árvore.

O menino se depara com a muda de árvore. (Foto: Getty Images/J. Squire)

A ideia de reflorestamento foi retomada com a cerimônia de entrada dos atletas, na qual cada integrante das delegações recebeu uma espécie de semente (dentre as 207 variações de árvores disponíveis), que seriam posteriormente plantadas no solo do Parque Radical, localizado no Complexo Esportivo de Deodoro, que será relembrado como a Floresta dos Atletas.

E agora, o que fica para o futuro?

Sem dúvida, o evento surpreendeu todas as expectativas anteriores, em relação à preparação e à entrega de obras atrasadas. Em geral, tudo transcorreu na maior tranquilidade — tirando-se os casos ocorridos com atletas como Ryan Lochte e Renaud Lavillenie.

Lochte foi acusado de mentir sobre ter sido roubado junto de seus companheiros de profissão após saírem da Vila Olímpica. Lavillenie, por sua vez, após ser vaiado em peso pela torcida brasileira, foi desrespeitoso para com o público e acabou por ser muito criticado nas redes sociais.

O assistente administrativo Giovane conta que não encontrou problemas relacionados a atrasos em obras durante a sua estadia no Rio. Entretanto, a falta de acessibilidade foi um problema por ele encontrado como observador, pois não é deficiente.

“Não percebi que a área das competições foi afetada pelo atraso, no sentido de que os atletas fossem prejudicados por uma má condição de pista ou quadra, porém para o público acredito que em geral a organização poderia ter investido mais na acessibilidade dos locais para o público, visando maior comodidade de torcedores deficientes por exemplo. Nesse item eles deveriam ter tido mais atenção”, comenta.

Mas o ponto de vista positivo que se instaurou na cobertura dos Jogos pode ser contestado. “Do ponto de vista de marketing, o Rio de Janeiro fez um gol de placa, fez uma organização muito boa e de qualidade. Depois de tantos anos que os fluminenses e cariocas investiram nesse evento, é positivo notar que a cidade inchou de turistas estrangeiros e nacionais. Mas as olimpíadas foram ótimas para quem participou do evento. Para quem está de fora desse oligopólio fechado do COI e do COB, a recessão é dramática”.

O comentário negativo é do economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Istvan Karoly Kaszar. “Foi bom para os professores da UERJ? Foi bom para essa série de microempresas? Para o taxista? Ninguém sentiu nada. E nós vamos pagar caro pelos erros”.

O economista acredita que a cidade pode enfrentar uma grande crise financeira, com uma contração econômica acima do estipulado para o país. Somando-se isso aos gastos em infraestrutura sem que o Estado do Rio ou o Município conseguissem arcar com os custos, o prejuízo no final pode ser gritante.

O desemprego é outra área que corre o risco de crescer. Sem o foco tão grande na cidade, como se viu nos últimos meses, vagas nos setores de serviços e de turismo, além da construção civil, podem ter queda nas contratações.

Medalha de ouro paralímpica de 2016. (Foto: Rio 2016/Alex Ferro)

Até mesmo o turismo em si pode sofrer. Kaszar ressalta que “o turista vai pensar duas vezes antes de vir com o custo Rio e a falta de segurança pública. Quero ver os próximos sessenta dias se a cidade vai ter segurança, se os índices continuarão baixos. Ou se de novo agora os bandidos irão fazer a safra. Agora que eu quero ver”.

Por fim, o economista diz que “temos muitos problemas que agora ficarão evidentes. O Rio de Janeiro está num brutal impasse econômico. Acabou o carnaval esportivo, acabou a festa, e agora? Qual é a realidade?”. Resta aguardar pelos próximos capítulos.

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Revista Lampejos
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Lam·pe·jo — s.m. Figurado. Expressão momentânea e genial de inteligência: lampejo de criatividade.