(Foto: Paulo Gannam/Divulgação)

Quando a ideia vai para a ponta do lápis

Os desafios da vida de um inventor. Entrevista com Paulo Gannam

Revista Lampejos
Published in
30 min readOct 20, 2016

--

Gabriela Gomes e João Pinheiro

Paulo Gannam é inventor em início de carreira. Há cerca de 5 anos, ele vem apresentando projetos a empresas, sobretudo pelas redes sociais voltadas a negócios. Somente assim ele consegue entrar em contato com profissionais dos departamentos competentes das empresas, de modo a poder buscar um estreitamento de relações comerciais.

Ser inventor no Brasil, segundo ele, tem muitos entraves, mas é uma profissão que satisfaz — principalmente a “sede por inovação” — e que pode ajudar a alavancar a economia do país. Para isso, entretanto, são necessárias diversas mudanças em âmbito judicial (e até mesmo cultural) que incentivem o trabalho de inventores autônomos.

Ele aceitou conversar com nossa equipe para apresentar um panorama geral de como é ser inventor, as dificuldades enfrentadas, como entrou nesse universo das criações e patentes, além de contar um pouco sobre seus projetos.

LAMPEJOS: Paulo, você é Jornalista de formação e especialista em dependência química pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. De onde surgiu essa paixão que é o universo das invenções?

PAULO GANNAM: Olha, é uma pergunta difícil de responder, porque eu não saberia dizer a sequência exata de acontecimentos que me levaram a desenvolver essa paixão, mas eu tenho algumas pistas que posso dar e acredito que tenham me ajudado a despertar o interesse por esse ramo de criação e de ideias.

Como você mesmo falou, sou formado em comunicação social e quando estava no terceiro ano de jornalismo, tinha um blog no qual redigia alguns artigos sobre os mais variados temas. Uma vez, me ocorreu a ideia de se criar um produto, uma espécie de galocha um pouco mais aperfeiçoada para proteger a metade da frente dos nossos pés contra a chuva, mas que não fosse daquele estilo mais rústico usado em sítios, feito daquela borracha grossa. Eu não conhecia como era exatamente a galocha, até que meu tio me apresentou. Ele a trouxe de um sítio, e então eu pude ter contato com esse objeto. Mas, naquela época, eu não dava muito valor a essas ideias que tinha, estava envolvido em outros assuntos. Até escrevi um artigo sobre essa tal galocha, com o título “Uma obra prima de borracha”, em que propunha exatamente esse aperfeiçoamento. Mas aquilo foi, como dizem, “fogo de palha”, não levei a ideia à frente.

Os anos foram passando e por volta de 2009 e 2010, estava passando por um período de muita enxaqueca, muita dor de cabeça, era dor de cabeça praticamente todo dia, e não conseguia desempenhar tarefas que me exigiam um raciocínio mais complexo, uma concentração maior. Então acabei ficando “solto no mundo” e, durante esse período, passei a observar o comportamento das pessoas, tomava meus cafezinhos, colocava o pé na estrada, e esse hábito acabou me despertando para essa área.

Nessa mesma época, 2010, eu tomava muito açaí na tigela, era quase todo dia, ia em tudo quanto era “buraco” para tomar meu açaí na tigela. Ia provando, vendo o que era bom, o que não era. E percebi que eram raros os açaís que eu conseguia sentir aquela cremosidade gostosa, a maioria era congelado, o vendedor batia de novo no liquidificador e servia ao consumidor, mas ficava cheio de pedrinhas de gelo, não ficava gostoso.

Resolvi fazer uns testes em casa. Comprava aqueles “bloquetes” de açaí congelado, fiquei mais um menos um ano e meio testando e aprimorando o processo manual de bater a polpa de açaí com xarope de guaraná e cheguei em um creme delicioso. Eu pensei: “vou abrir um negócio com esse creme que eu fiz, mesmo que eu faça manualmente”, mas o tempo foi passando e eu percebi que poderia criar uma máquina que pudesse converter a polpa do açaí nessa coisa bem cremosa sem exigir tanta habilidade manual.

Fui para Taubaté, fiquei mais ou menos uns seis meses com um técnico, ele fazia máquinas para indústrias e empresas, e a gente tentou desenvolver essa ideia, mas deu tudo errado, a gente saía com açaí até nas costas graças às explosões que ocorriam — mas a máquina que era bom não deu certo. Eu não tinha mais dinheiro para investir. Falei: “agora chega, não aguento mais, vou partir para outra”.

Mas durante esses seis meses, acho que essa é a parte mais importante. Eu pensava muito sobre como fazer adaptações nessa máquina, que levassem a um açaí cremoso. Esse projeto não conseguimos completar, mas essa busca por soluções para os problemas que essa máquina apresentava, isso sim despertou muito a minha mente. Nessa época, tinha ideias em pacote. Eram dez, vinte ideias por dia, apenas observando as pessoas e anotando essas ideias em arquivos. Mais adiante, eu fui realmente levar algumas delas à frente.

L: De que maneira você chega a uma invenção? Como vem à sua mente a ideia para uma nova criação?

P: A ideia em si muitas vezes vem aleatoriamente, mas, na maioria das vezes, surge da observação de situação cotidianas. Você identifica um problema, tenta imaginar se já existe alguma coisa que resolve esse problema e se essa coisa resolve de fato ou é algo que foi “empurrado goela a baixo” e as pessoas usam por hábito, mas sem que necessariamente o problema seja resolvido da forma mais eficaz possível. Para mim tomar um cafezinho, sentar e observar as pessoas em movimento sempre me ajudou, sempre me trouxe muita inspiração. Colocar o pé na estrada, viajar, não sei. A imagem em movimento e eu em um local parado coloca minha mente em uma espécie de “frequência inventiva” que me faz observar coisas que não observo quando estou fazendo outras atividades. Então eu acho que é um pouco de ócio, um pouco de alguns rituais que cada um acaba desenvolvendo por conta própria, que acaba gerando esse interesse e esses pensamentos por novas ideias, novas soluções.

L: Digamos que tive uma ideia. Quais os caminhos que devo seguir para colocá-la no papel e, quem sabe, posteriormente tirá-la também?

P: A primeira coisa é você não ter uma autocritica muito exacerbada. Por que eu digo isso? Há alguns anos atrás, se eu tivesse as mesmas ideias que me levaram a alguns projetos que tenho hoje, dificilmente teria dado valor a elas, teria o entusiasmo leva-las à frente, em parte porque eu tinha uma autocritica exacerbada. Isso acaba gerando um bloqueio nas pessoas e esmaga a criatividade. Com o tempo, fui perdendo esses bloqueios, essas barreiras e parei de me importar muito com os outros estavam pensando sobre o que eu estava fazendo.

A segunda coisa, quando se tem uma ideia, é entrar em um banco de dados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), que ali você vai identificar o que já existe. Se sua ideia for patenteável, você pode verificar quais pedidos de patentes foram concedidos, arquivados ou em andamento e que tem relação com a ideia que você teve. Por exemplo: se você teve uma ideia de uma caneta que seja ao mesmo tempo um apagador liquido, você vai no banco de dados e busca por “apagador liquido”, “caneta” e vai aparecer um “calhamaço” de coisas para você pesquisar. É interessante que você não faça essa busca sozinho, porque o número de pedidos de patentes tramitando no Brasil e no exterior é imenso. São milhares, talvez milhões de pedidos, e muitas vezes isso requer a assessoria de um advogado ou um técnico do INPI, que você paga para te ajudar nesse levantamento.

Uma outra forma, além do aspecto estritamente legal de patente, que você tem é sondar no mercado se sua ideia já não existe, já não está sendo vendida, independentemente de ter ou não o pedido de patente. Sites de busca estão aí para verificar o que tem no mercado, se existe algo parecido ou não e, se sim, em que sua ideia é melhor ou pode se diferenciar, se ela pode se destinar a um público diferente do que já está no mercado devido a uma característica que seu produto tem. E mesmo se o inventor não tiver aquele “sangue empreendedor”, vai ter que estudar negócios, estudar marketing, legislação, vai ter que conhecer um pouco de tudo. Quando o inventor não tem tino comercial, não tem tempo ou competência dele próprio fabricar e comercializar a ideia, terá que apresentar esse projeto para empresas, que têm uma forma própria de enxergar ideias, enxergar oportunidades de negócios. Se o inventor não se inteirar a respeito desse ramo de negócios e de ideias, não conseguirá nada, nunca.

Essa, para mim, foi uma grande dificuldade. Mas então eu fui lendo livros de empreendedorismo, de marketing, e fui percebendo que para uma ideia seja levada ao mercado, deve passar por inúmeros filtros, que funcionam para o inventor ver se seu projeto é bom ou não. Às vezes, você tem uma ideia ótima para um produto “superlegal”, mas se você encaixa essa ideia em um modelo de negócio de uma empresa que não enxerga lucro nessa ideia, não tem muito o que fazer. Enquanto isso, alguém com uma ideia aparentemente ruim, mas com visão de negócio, consegue criar um modelo que gere muito lucro à empresa. O inventor tem de ter um grau de aceitação muito grande, porque essa ideia tem que combinar algo ideológico que ele tem, deve ajudar as pessoas, mas ao mesmo tempo, tem que seja lucrativa, porque, se não for, não há muito futuro. Com isso, o inventor acaba se frustrando e gastando anos da vida com um sonho que não se realiza. Se o inventor encontrar um empreendedor interessado, eles podem constituir uma sociedade em que o empreendedor fica com a parte comercial e o inventor com a parte técnica. Eles dividem os lucros de acordo com a contribuição de cada um no negócio.

Pelo que eu observo e por experiência própria, o inventor não é nenhum perito em modelos de negócios ou em trabalhar em conjunto. Ele gosta de viver em seu mundo, a coisa meio do artista. Então, partindo desse princípio, se o inventor não gostar de constituir uma empresa ou de ter um parceiro, ele pode licenciar a patente para uma empresa que tem interesse de comercializar o produto, o que demanda muitos contatos telefônicos, troca de e-mails, redes profissionais. A empresa fabrica e comercializa o produtor e paga ao inventor uma porcentagem referente à unidade de venda do produto. Também há a venda da patente. E projeto está com a patente solicitada ou com a carta concedida. O inventor pode fazer um contrato no qual é transferida a titularidade da patente a uma empresa, ele recebe um valor e empresa vai explorar e ganhar dinheiro por conta própria.

L: Qual foi o ponto de partida para você se assumir como inventor, e não mais como jornalista?

P: Acho que o ponto de partida foi a coragem. Eu fui me envolvendo cada vez mais com esse assunto. Eu que acompanho minhas patentes, com a ajuda de uma advogada, eu faço a divulgação dos projetos, eu concebo e acompanho o desenvolvimento das ideias, então você vai se envolvendo cada vez mais.

Chega uma hora que eu penso: “mas como eu vou me apresentar ao público? Eu vou falar que sou empreendedor, inventor?” Porque a palavra inventor é, ainda mais no Brasil, alvo de preconceito. As pessoas acham que é um cara maluco que fica no porão da casa inventando coisas, sem tem o que fazer. Na minha cidade, às vezes eu olho no rosto das pessoas e eu acho que elas pensam que eu não faço nada da vida, porque eu trabalho a maior parte do tempo em casa. Eles veem esse marmanjo saindo de casa, chegando em casa e devem pensar: “esse cara não faz nada”, mas eu faço tudo pelo computador. Então tem esse aspecto de assumir que terá uma atividade passível de nenhum reconhecimento e com baixíssima chance de levar o produto do mercado, em função do inventor não conseguir embarcar todas as competências necessárias para que isso aconteça.

Foi uma mistura de paixão com coragem e curiosidade. Mesmo que der errado, alguma coisa vou aprender com isso. Já faz cinco anos que estou nesse mundo e posso dizer que o aprendizado é diário. Você está sempre aprendendo uma coisa nova, porque é uma atividade que exige muito. Posso dizer que o ponto de partida para eu me assumir foi inclusive a necessidade de ter um posicionamento em relação ao público e aos órgãos de empresas. Então eu sou inventor, é isso que eu sou.

L: Quando você era mais jovem, já se imaginava no ramo de criar objetos inovadores?

P: De jeito nenhum. Eu me lembro que, quando era criança, tinha a mente bem acelerada, mas não tinha desenvolvido ainda uma autoestima e autoconfiança que me permitissem impulsionar as mil coisas que eu pensava por dia. Então isso não aconteceu quando eu era criança, foi um conjunto de circunstâncias que acabaram me levando para esse ramo de ideias de criação. Acredito que se não tivesse sofrido tanto com essas dores de cabeças e enxaquecas há mais ou menos seis anos, não teria parado minha vida ou deixado certas atividades de lado e de repente me interessado por essas áreas. Então eu diria que foram situações na minha vida que acabaram, talvez involuntariamente, me conduzido para esse ramo, foi algo inusitado na minha vida.

L: Em algum momento de sua carreira, você pensou em simplesmente desistir? Por que motivo?

P: Isso sempre acontece. Pensar em desistir é algo bem comum, mas os anos vão passando e você se torna mais resistente a esse tipo de pensamento. No início, quando eu recebia um não de uma empresa ou uma crítica mais ácida em relação a uma ideia que eu tinha, ficava péssimo durante dias. Mas o tempo foi passando e eu optei por não desistir. O mundo pode estar acabando, pode estar tudo dando errado, mas eu vou continuar só para ver o que vai acontecer. Tem aquela coisa da curiosidade, de querer saber o que acontecerá na sequência.

Esse pensamento de desistir existe acho que em toda atividade. Existe sempre aquele dia em que você acorda com o pé errado, você está cansado com a rotina de fazer aquilo de novo. Acho que é um sentimento comum nas pessoas, mas que não interfere mais nas minhas ações. Estou cansado, estou na expectativa de algum negócio acontecer, ele não acontece e eu tenho que aprender a lidar com isso. Eventualmente vem o desejo de desistir? Vem sim, mas eu já me envolvi a tal ponto que desistir dessa atividade não está nos planos.

Agora, eu posso abrir mão de um produto, porque eu sei que a pessoa, quando cria uma ideia, se apega tanto a ela que perde a objetividade. Conforme o tempo foi passando, vi que poderia fazer certas adaptações nos meus produtos para se adequarem ao mercado. É preciso levar isso em consideração, não pode ser cabeça dura. Pensar em desistir é algo que ocorre, mas não interfere nas minhas ações.

L: Em pouco tempo de inventor, qual é, para você, a grande dificuldade em se criar algo: a fase de colocar a ideia no papel, o desenvolvimento do projeto, a patente ou a divulgação para comércio?

P: Isso depende muito das habilidades que o inventor já carrega consigo mesmo. Às vezes o inventor tem uma ideia, mas não tem conhecimento de engenharia, não tem habilidade manual. Há outros que já tem a ideia, um laboratório, o auxílio da universidade, faz um protótipo. Cada caso é único.

Na minha experiência, todas as etapas são difíceis, todas as etapas demandam muita perseverança e dedicação. Por exemplo, para que eu pudesse desenvolver um protótipo de um de meus projetos, fiquei procurando na internet, levei uns três anos, até achar uma pessoa que pudesse me ajudar a desenvolver. O professor de um curso técnico me encaminhou para o desenvolvedor, que hoje é meu parceiro. Então, para mim, desenvolver o protótipo e encontrar a pessoa competente e com preço acessível para desenvolver esse protótipo foi algo difícil de se encontrar.

Quanto ao pedido de patente, você dificilmente consegue redigir sozinho. Pode até tentar, mas é sempre bom ter o parecer de um profissional de propriedade intelectual, que vai verificar se seu pedido foi feito da forma adequada. A questão de exposição ao comércio também é difícil, sim, porque grande parte das feiras de inovação do Brasil, de empreendedores e tecnologia, não contemplam espaços para que inventores autônomos, geralmente pessoas físicas, possam apresentar o trabalho deles. Eu conheço uma feira que acontece em Vitória (ES), chamada Salão dos Inventores Brasileiros. Ela tem um preço mais acessível e é voltada para o inventor autônomo. As feiras que já conheci geralmente pedem que você seja microempreendedor individual (MEI), têm algumas exigências que o inventor às vezes não consegue atender.

Há impeditivos para levar a ideia ao conhecimento do público, do comércio. Passei a usar muito a internet, ela se mostrou uma salvação para mim, porque posso abordar pessoas, empresas, órgãos de imprensa, para mostrar meu trabalho. Consigo algum resultado de exposição, sem um custo, porque não tenho condição de bancar essas feiras tecnológicas, que exigem que ou você esteja matriculado em uma universidade ou que você seja uma empresa. Você tem que fazer algumas acrobacias para mostrar seu trabalho às pessoas.

L: No Brasil, temos a Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/2004), que busca estimular o desenvolvimento de invenções e atividades relacionadas a P&D. Da mesma forma, há no estado de São Paulo a Lei Complementar nº 1.049/2008, que estabelece medidas de incentivo à inovação e regulamenta as parcerias entre universidades e centros de pesquisa públicos e a iniciativa privada no âmbito do estado. Essas leis realmente cumprem seu dever de incentivar a inovação?

P: Em termos de lei, a Lei de Inovação não foi, infelizmente, benéfica aos inventores autônomos na pratica. No capítulo V, que trata de inventores independentes, a lei prevê que à universidade e aos institutos de tecnologia será facultado o direito de adotar ou não a patente de um inventor, para eles trabalharam junto, e isso eles chamam de apoio.

Eu vou te falar o que acontece na prática: eu percorri inúmeras universidade públicas e privadas, apresentando as quatro invenções que já tinha com patente solicitada e, por ser facultativo esse suposto apoio, você entra lá com a solicitação de apoio e parceria conjunta, mas os professores simplesmente não têm tempo ou interesse de atender pessoas de fora da universidade. Ninguém tem tempo ou disponibilidade para conversar. Vamos colocar a milagrosa hipótese de que alguma universidade decida atender o inventor, o que a lei entende como apoio? O inventor chega lá com patente solicitada em nome dele, já com ou sem protótipo em mãos e o que ele quer é que a universidade assuma a parte comercial de captar empresas interessadas em fabricar e comercializar a patente que é do inventor, a princípio. Para que a universidade entre no negócio, a lei define que ela seja co-titular da patente. Além disso, a universidade fica com, no mínimo, 70% de tudo o que for ganho. Ou seja, você já teve toda uma despesa com a patente, o protótipo, e aí você vai pedir o apoio da universidade, não existe apoio, essa palavra é usada de maneira distorcida, ela é irreal, o que existe é negócio, dos piores para o inventor.

O que eu resolvi fazer? Eu não tenho mais procurado universidades, porque a forma de trabalho para com o inventor externo é péssima, não compensa. Elas são piores que empresas privadas, porque se eu contrato alguém para desenvolver o protótipo da minha ideia, a patente continua minha. Já na universidade, não. Eu pago o protótipo e ainda compartilho a patente, ou seja, trabalhando pior que com as empresas privadas de desenvolvimento.

L: Segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, mais de 60% de tudo o que foi inventado ou aperfeiçoado no mundo até hoje foi a partir de inventores autônomos. Você vê algum reflexo dessa estatística em incentivo aos autônomos?

P: Acho que essa pergunta acaba sendo um desenrolar da anterior. Eu vejo que há uma desvalorização. Nos outros países, eu não posso falar porque não sei exatamente como é, mas a sensação que tenho quando lido com empresas e pessoas do exterior é a de que há uma cultura de maior valorização do empreendedorismo e da criação de novos produtos. Lá fora, as empresas, talvez também por terem mais capital de risco, têm uma sede por novidades, querem incorporar novos produtos a seus portfolios, se esse produto for vendável e tiver uma proteção contra a concorrência.

Já no Brasil, não vejo o mesmo entusiasmo nos empresários, salvas algumas exceções, talvez porque as empresas no país tenham um menor capital de risco e por conta da instabilidade política e econômica, que interferem no contato de inventores e empresas que poderiam adotar suas ideias. Com respeito a esse dado, é um número surpreendente da contribuição que, muitas vezes, pessoas físicas, anônimos têm para o desenvolvimento econômico e social de um país. E essa desvalorização [dos autônomos] realmente é muito grande.

Parece existir no Brasil algum nó legal que impede ou interfere negativamente na possibilidade de bons negócios entre pessoas físicas e jurídicas. Não sei dizer exatamente qual aspecto da lei interfere nisso, mas, normalmente, quando você se apresenta a uma empresa, a primeira pergunta que se faz é “de que empresa você é? Fala em nome de qual empresa?” Já ouvi isso muitas vezes. Me arrisco a dizer que esse é um raciocínio sem sentido. O foco deve estar na qualidade do projeto e em seu potencial de mercado, e não se ele vem de uma universidade, de um startup. Se o projeto é bom, acabou, não tem conversa.

“O foco da legislação está muito enviesado em empresas e universidades, como se a inovação não pudesse acontecer em qualquer esquina…”

Um outro aspecto que a lei, ao não levar em conta o trabalho e as patentes criados por inventores autônomos, é que, quando a patente de um autônomo acaba sendo licenciada para várias empresas, do dinheiro que o inventor recebe de royalties, até 27% seria destinado ao imposto de renda. Quanto mais se vende, mais se gera imposto; quanto mais se gera imposto, mais o Estado tem recursos para desenvolver as áreas sociais. Isso também ajuda no desenvolvimento socioeconômico, mas o foco [da legislação] está muito enviesado em empresas e universidades, como se a inovação não pudesse acontecer em qualquer esquina e tivesse que estar em instituições. A sociedade perde, deixando de usufruir de produtos que poderiam melhorar sua vida, e o país perde em termos econômicos.

Os países que investem mais de seu orçamento em ciência e tecnologia têm muito mais retorno econômico e no bem-estar da população. Se você pensar que toda pessoa tem um potencial criativo, que ela pode criar coisas novas e que se pode dar um mínimo de apoio para essa pessoa desenvolver um protótipo, depositar uma patente, divulgar sua ideia ao público e aos empresários, o país tem muito a ganhar. Mas repito: isso não é observado hoje em dia no Brasil em prol de inventores autônomos, pessoas físicas.

L: Existe muita burocracia envolvida no processo de se criar e patentear algum produto inovador? Qual a principal causa disso, para você?

P: A burocracia é imensa. Primeiro, você redige seu pedido de patente. Com isso, você já gastou com o apoio de um advogado de propriedade intelectual ou um técnico. Depois, você deposita o pedido. Ele fica tramitando. Durante esse trâmite, que pode levar até 10 ou 12 anos no Brasil, é necessário pagar anuidades para manter seu pedido em andamento, pagar pelo exame técnico do pedido, se alguém ou alguma empresa interpuser recurso contra sua patente, dizendo que já há uma ideia parecida com a sua, com um pedido de anulação do processo, há mais gastos jurídicos para provar que sua proposta é original, ou então admitir que alguém já tem uma patente depositada com aquela ideia.

Se você não faz uma pesquisa prévia bem-feita e deixa passar alguma coisa ou se quando você fazia seu pedido, havia alguns pedidos em trâmite em fase confidencial, que saia futuramente dessa fase, o detentor dessa patente tem o direito de interpor recurso.

Veja bem, no Brasil essa fase de trâmite tem duração média de 10 anos. O investidor fica esperando sua ideia e pergunta: “Paulo, cadê a patente?” Você responde: “Só daqui a 10 anos”. E ele fala: “Daqui a 10 anos, sua invenção não vai valer nada, porque já vai haver muita coisa mais barata e melhor que seu projeto”. Como se incentiva a inovação em um país com um prazo desse tamanho para conceder ou não a carta-patente ao inventor? Nos Estados Unidos, até onde eu sei, o pedido leva, no máximo, 2 anos. Coreia do Sul, aproximadamente 3 ou 4 anos. E no Brasil, leva todo esse tempo.

Qual a explicação para que seja tão lento? O INPI não tem número de pessoas suficiente para atender com velocidade a todos os pedidos que entram. O número de pedidos de patente tem aumentado progressivamente no Brasil. Há alguns projetos de lei tramitando no Congresso, no intuito de aumentar o número de vagas e o contingente maior de funcionários no INPI para que eles possam julgar com um mínimo de rapidez os pedidos ainda em trâmite no país. Quanto mais demora, quanto mais gastos, menos as pessoas querem inovar.

No Brasil, há, entretanto, um aspecto curioso: apesar de todas as adversidades, o número de pedidos de patente vem aumentando. Os brasileiros estão entendendo a importância da propriedade intelectual. Muita gente fala: “propriedade intelectual causa monopólio”. Com isso, surge a crítica à indústria farmacêutica, que limita o acesso a determinado medicamento. Isso apenas em parte é verdade. O monopólio é interessante, pois faz com que outras empresas e inventores criem soluções melhores e mais baratas que a primeira.

Como se incentiva o inventor em um país que não protege a propriedade intelectual? Por exemplo: eu sou um inventor, tenho uma empresa. Ela tem uma ideia de um serviço totalmente inovador, um conceito de produto totalmente diferente. Como ela vai gastar dinheiro próprio se não tiver uma proteção? O monopólio é um mal necessário para que o país se desenvolva e que as outras empresas se sintam instigadas a criar produtos e serviços melhores que os já monopolizados.

L: Com a patente na mão, só o inventor não é suficiente para fazer o projeto sair do campo das ideias. É necessário o apoio de um investidor ou de um fabricante para o produto. Quais os direitos que o registro da patente garante ao inventor?

P: A princípio, quando você recebe sua carta-patente, tem o direito de fabricar e comercializar seu produto livre de concorrência por um determinado período. Há vários tipos de proteção intelectual no Brasil.

O primeiro é a patente de invenção. Ela tem uma carga inventiva e inovadora muito grande em seu produto. A lei entende que, quando alguém cria algo com uma carga inventiva muito alta, com elementos de novidade e originalidade muito evidentes, essa pessoa tem até 20 anos de possibilidade de fabricação e venda desse produto sem que ninguém mais possa fazer ao mesmo tempo. No caso do inventor, se não fabricar ou vender esse produto, ele tem até 20 anos para licenciar sua patente para que empresas possam fabricar e comercializar esse produto. Com isso, elas são obrigadas a pagar uma quantidade por unidade vendida [royalties], pelo fato de o inventor ser o detentor da patente.

O segundo é a patente de modelo de utilidade. Ela tem uma carga inventiva um pouco menor, em que se usa tecnologias já existentes e as combina para criar um novo produto. O canivete, me arriscaria a dizer, é um exemplo de patente de modelo de utilidade, porque se fazem pequenos aperfeiçoamentos no produto a cada versão. Então, a carga inventiva não é alta, você incorpora novas funções a algo que já existe. Nesse caso, você tem o direito de fabricação e venda do produto de até 15 anos.

O terceiro é o pedido de patente de desenho industrial. Na verdade, não chega a ser um pedido de patente, e sim um pedido de proteção de um modelo de desenho industrial, que tem mais a ver com as formas estéticas e ornamentais daquilo que você criou, mais a ver com o design do produto. Protege-se a forma como o produto é feito. Ela dá o direito de 10 anos de uso exclusivo sobre essa forma de criar o produto.

E há ainda o registro de software, que ocorre quando se inventa um aplicativo ou programa qualquer e há a possibilidade de registrá-lo no INPI.

L: Qual a melhor maneira de se encontrar investidores para seu projeto? Em um momento de estagnação econômica, como proceder para que a ideia cresça e tome forma?

P: Eu faço muita divulgação junto aos órgãos de imprensa, no sentido de que aquilo que apresento aos órgãos de imprensa pode se converter em matéria jornalística. Deixo claro a esses órgãos que não forneço esse material jornalístico para “vender meu peixe”, tento fornecer algo que seja realmente jornalístico, não com caráter comercial, e que se o jornalista achar oportuno mencionar minha ideia ou invenção em seu veículo, fica à vontade para fazer isso. Procuro ver o que o veículo de comunicação ganha como ponto de partida, uma pauta legal para o tema “invenções”, e eventualmente ele pode citar meu invento, como uma forma de divulgar ao público e, quem sabe, algum investidor que esteja lendo se interesse por isso. Isso é algo que adotei para mim.

Cansei dessa coisa só de release, embora muitos veículos de comunicação, principalmente os pequenos trabalhem dessa forma. Eu me esfolo para fazer um conteúdo jornalístico legal sobre invenções, mando para esses pequenos jornais e, muitas vezes, eles falam: “não, isso aqui está muito longo, muito chato, manda um release”. O cara quer só apertar um botão, não quer fazer mais nada. Infelizmente, acho que 70% dos veículos de comunicação estão agindo dessa maneira. Quando não é o caso, eu ofereço o melhor que eu posso em termos jornalísticos e, se o veículo quiser divulgar, ele divulga. Assim, pelo menos, meu nome fica mais conhecido, meu trabalho passa a ter um pouco mais de credibilidade. Isso tem influência, a mídia tem esse poder de encantar e de você passar a ser visto com mais credibilidade.

Eu também participo de feiras para poder encontrar investidores. Essa é uma forma de estar próximo de pessoas decisivas. E eu contato empresas sempre. Uso muito o LinkedIn. Estou sempre conhecendo pessoas novas, trocando ideias. Isso é uma forma de estar mais perto de encontrar a pessoa certa, na hora certa. É o que venho fazendo hoje em dia e que acho que ajuda bastante.

E a outra pergunta: diante da crise, como fazer que um projeto cresça? Bom, falando na condição de inventor, eu penso que isso dependa não só do que foi criado, mas da competência de todas as pessoas envolvidas no negócio em si. Não sei se vocês assistiram àquele filme Joy: O Nome do Sucesso (2015). Conta a história de uma mulher que inventou um rodo com aquelas cerdas que vão para tudo quanto é lado, produto que chegou até a ser anunciado no Brasil alguns anos atrás. Você passa esse rodo e os fios 100% de algodão entram em qualquer buraco e puxam toda a sujeira. Depois, a partir de uma manobra no cabo do rodo, a esponja se torce sozinha, um produto superprático.

Ela então foi em uma daquelas emissoras de TV americanas que vendem produtos e convenceu o diretor de que o produto dela deveria ser vendido mesmo, que poderia ter alguma utilidade. Seu produto, então, foi colocado nas mãos de um vendedor, que não entendeu bulhufas do produto, de como ele funcionava, era homem — naquela época, acho que na década de 70 ou 80, os homens não costumavam realizar essas tarefas domésticas. O cara começou a vender, mas não sabia usar, não sabia explicar, não sabia realmente passar para as pessoas a mensagem de como aquilo poderia ser útil para elas, e foi um fracasso. Eles tinham um score ao vivo mostrando quantas vendas eram feitas enquanto o vendedor ia falando. Foi um fracasso. Isso foi um exemplo dado no filme de que se você tem uma ideia boa, mas coloca nas mãos da pessoa errada, o projeto vai dar errado.

Joy, a inventora, nunca tinha subido em um palco de TV para apresentar nada, mas a emissora aceitou que ela apresentasse o produto dela. Depois de colocarem ela no ar, a personagem ficou petrificada por um tempo, sem saber o que falar, até que uma amiga dela ligou para o estúdio e começou a perguntar sobre o produto. Joy começou a explicar, foi um tremendo sucesso, o produto foi para o mundo, ramificou em mais de 100 patentes com novos aperfeiçoamentos e ela se tornou uma das empreendedoras mais famosas dos Estados Unidos. Então, mesmo em momentos com ou sem crise, você precisa achar o time certo para o marketing, para as vendas, de pesquisa e desenvolvimento para que o produto possa dar certo.

L: Falando um pouco mais sobre suas invenções, conte um pouco sobre os projetos que você vem desenvolvendo no momento (o que for possível divulgar, é claro).

P: Atualmente, tenho quatro projetos com patente solicitada. O primeiro é um protetor de unhas para pessoas que roem as unhas. Essa ideia surgiu de um problema pessoal. Para você ter uma ideia, de 19 a 45 por cento da população rói as unhas. Este projeto está com patente depositada e que eu estou divulgando para empresas que fabricam elastômeros, preservativos, polímeros, para que elas possam fabricar e, quem sabe, disponibilizar para a indústria farmacêutica e de cosméticos.

Paulo e seus inventos. Em cima, protetores de unha (esq.) e lixas 3 em 1; embaixo, sensor lateral de estacionamento (esq.) e comunicador. (Fotos: Paulo Gannam/Divulgação)

Um outro produto que eu tenho é uma lixa de unhas 3 em 1. A parte central vai ter dois ou mais níveis de aspereza para polir o contorno das unhas. Em uma das pontas, foi feito um formato um pouco diferente dos que já existem e que fique como uma espátula, isso porque as lixas projetadas para polir, dar brilho e nivelar a superfície das unhas muitas vezes são grossas, com aquele formato retangular e provocam um incômodo na pele que fica logo ao lado da cutícula.

Um terceiro projeto com patente solicitada é um sensor específico para proteger pneus, rodas e calotas durante o estacionamento junto ao meio-fio, com ou sem o uso de marcha a ré. O que existe hoje: aqueles retrovisores tilt down, que abaixam só na hora que a ré está engatada para que você tenha uma noção das rodas traseiras; ou então aqueles projetos de estacionamento semi-automático, ou park assist, que estão em carros mais caros, com o qual o veículo estaciona meio que sozinho somente quando está dando ré. Eu criei um sensor específico para proteger as quatro rodas, com um preço muito mais barato que o que já existe, para que, quando a roda esteja encostando no meio-fio, seja disparado um alerta visual e sonoro no painel do carro ou em um aplicativo para que você tenha uma noção exata da distância da roda em relação à guia.

Um quarto e último projeto é o de um comunicador entre motoristas. A ideia é que motoristas de moto ou de carro possam ter botões para que você não precise utilizar o celular ou fazer gestos imprecisos para se comunicar com as pessoas próximas de você, avisar de alguma ocorrência na pista, de algum problema que se identifique nos outros veículos ou de alguma situação na rodovia que possa provocar algum tipo de engavetamento. A ideia é que você tenha um botão que envie uma mensagem pré-gravada para os motoristas que estiverem próximos, com a vantagem de ser mais rápido, mais fácil, a ponto de você dar um clique e a mensagem ser enviada. É diferente dos aplicativos de trânsito, que são entupidos de recursos, mas um deles apenas é o da comunicação. Esse produto é uma forma de se fazer uma integração da comunicação no trânsito, trocas de informações entre órgãos do trânsito e motoristas. Por exemplo, quando você passar por um posto policial, a polícia pode enviar alguma mensagem de educação no trânsito, algo necessário para seu conhecimento, apenas ao clicar de um botão e você recebe a notificação. O inverso também é possível: você pode mandar uma mensagem a esse posto policial apenas clicando em um botãozinho.

E o que é mais interessante nesse comunicador além da possibilidade de comunicação instantânea e prevenção de acidentes: imagine que, toda vez que alguém enxergar um buraco na pista, ou então estiver sendo sequestrado ou perseguido por um assaltante, as pessoas tenham um tempinho de clicar um botão e enviar uma mensagem para todos à sua volta. Todas essas informações podem ser armazenadas em uma central de trânsito, que converta os dados em estatísticas para o governo, dizendo onde estão os buracos, em quais locais acontecem mais sequestros, essa informação vale muito, tanto em termos humanos quanto em econômicos. Se tudo que for trocado de informação entre os motoristas for armazenado, é possível identificar problemas que acontecem em sua vizinhança. Este é meu projeto preferido, é o que eu mais gosto. É o que eu mais vejo potencial, pois ele se encaixa em uma tendência.

L: Qual sua primeira atitude após ter uma ideia brilhante?

P: A primeira atitude é nunca achar que sua ideia é brilhante, ouvir sua ideia e submetê-la a um processo rigoroso de análise. Quanto você tem uma ideia e já acha de cara que é brilhante, você precisa tomar muito cuidado. Sua mente pode levar a uma frustração muito grande no futuro, porque você não consegue enxergar tudo aquilo que está acontecendo. Isso já ocorreu comigo e eu aprendi a lição.

Se ela é mesmo interessante, vamos ver se há ou não concorrentes, se há ou não uma patente relacionada à sua ideia e se ela pode ser colocada em um modelo de negócio que vá realmente gerar algo lucrativo. O que eu precisei para entender um pouco mais? Li livros que falam sobre modelos de negócios. Essa familiaridade com os temas negócios, marketing e empreendedorismo vão te dar o feeling para você saber se a ideia realmente é válida, quanto vai custar para fabricar, por quanto será necessário vender para ter lucro, se as pessoas vão querer pagar pelo quanto eu vou vender, como saber se elas vão dar o valor que eu acho que o produto vale.

Há livros, por exemplo, que ensinam a pessoa a validar a ideia dela. E o que é validar a ideia? Você pega sua ideia, até faz uma patente dessa ideia inicial, faz um protótipo simples, mesmo sem muita qualidade, e leva para as pessoas. Converse com pessoas com quem você não tem ligação nenhuma. Existe uma forma de conduzir a conversa que não é tendenciosa e muito mais rica que a pesquisa de mercado, que quem faz marketing estuda. É uma forma com a qual você deixa que a pessoa traga elementos novos àquilo que você criou. Faz-se com várias pessoas, talvez umas 30.

Nesse livro, o autor mostra uma forma específica de se conduzir a conversa que deixa a outra pessoa livre para falar o que quiser, o que você poderia colocar ou tirar no produto. E então você analisa o que a pessoa falou, pega uma amostra de cerca de 30 pessoas ou mais e tenta enxergar tendências no consumidor. Com base nesse aperfeiçoamento contínuo do produto, você pode lança-lo no mercado. Eu tenho que manter a mente aberta para que possíveis mudanças aconteçam para que o produto seja viável no mercado.

L: Entre suas várias ideias e, realmente, devem ser muitas — , há algo de inusitado? Alguma criação que cause um pouco de estranheza a quem ouça seu projeto?

P: Na verdade, eu já ouvi opiniões das mais diversas sobre as minhas invenções e, no começo, eu era muito sensível ao que eu ouvia. Se eu ouvisse uma opinião boa, aquilo me animava e me deixava “nossa, agora vai, tenho que continuar”. Agora, quando alguém vinha para “descascar a cebola” em cima de mim, eu ficava deprimido, ficava vários dias tentando ver o que era verdade e o que não era daquilo que a pessoa estava falando. E hoje, eu fiquei mais insensível ou menos suscetível de me abater, de me influenciar por opiniões dos mais diversos tipos.

De tanto que você conversa com pessoas, de tanto que você estuda o mercado do seu produto, você tem algumas convicções e algumas crenças que não são mais abaladas pelo que os outros falam. Já me falaram que com o sensor de rodas eu estou perdendo tempo, que os carros autônomos já vão dar conta do recado sozinhos. Só que eles esquecem de falar que é daqui uns 20, 30 ou 35 anos. No Brasil, por exemplo, eu não vejo mais de 50% da frota de carros autônomos para daqui a 30 anos. Acho isso bastante improvável. Então às vezes a pessoa dá uma resposta de pronto. Algumas pessoas têm essa mania. A pessoa não está pensando muito no que está falando. Às vezes, ela quer só discordar. Ou às vezes, ela está tentando ajudar.

L: Alguma das suas invenções já está disponível para ser adquirida? Se não, há como conseguir algum de seus protótipos mesmo ainda não estando disponível no mercado?

P: O que existe hoje em termos de parceria com empresas? Estou conversando há um bom tempo com elas, e algumas negociações estão andando. Mas em negócios, enquanto você não vê seu produto sendo vendido no mercado, você não pode “contar papo”, falar “não, já vai acontecer”. Já passei por negociações em que fiquei oito meses em conversa a respeito de um produto e houve uma reviravolta com a empresa, outra apareceu interessada em fazer negócios com a primeira, e eles simplesmente falaram “olha, Paulo, não vai dar mais, aconteceu um fato inusitado aqui… um grande abraço”. Isso aí acontece muito.

Agora, quanto à obtenção de protótipos. Eu tenho alguns protótipos do protetor de unha, por exemplo, mas em estado bem rústico. A pessoa precisaria estar muito motivada a parar de roer unhas para usar. Para quem quiser conhecer melhor, pode mandar um e-mail para mim, ligar em meu telefone ou entrar em contato pela internet. Se for uma empresa que realmente queira avaliar uma amostra, posso fazer por conta própria e enviar para análise.

L: Por fim, qual sua dica para quem tenha uma ideia e queira se aventurar nesse mundo de invenções?

P: Que você seja um sonhador, mas que preserve a razão. Você não pode ter nem só uma coisa nem só outra. Você pode ser um sonhador, ter uma imaginação fértil, pensar coisas que as outras pessoas não pensam, mas você precisa também ser uma pessoa capaz de desenvolver planejamento, de ter conhecimento técnico do ramo em que você vai entrar, para que não se torne uma coisa perdida, apenas artística.

Se você realmente quer levar seu sonho ao mercado, o seu projeto, a sua invenção, estude livros de empreendedorismo, estude livros de inovação, trabalhe com paixão. Os resultados, normalmente quando e se eles acontecem, levam tempo. E a motivação quem vai encontrar é você dentro de você mesmo. Seja perseverante, esteja sempre estudando uma coisa nova e também siga um pouco a sua intuição com base em fatos. Isso é muito importante na jornada. Houve épocas em que eu recebi críticas de especialistas do setor automotivo e da mídia automotiva (parte dela não quer conversa comigo). Muita gente entende o sensor para rodas como um retrocesso. Ao mesmo tempo, escuto de alguns empresários que, do ponto de vista comercial, é um projeto muito bom.

Não se deixe abater com a opinião dos especialistas. Você ouve a opinião do especialista, tira a raiva do que a pessoa está falando (a pessoa detona a sua ideia; pegue a detonação e analise objetivamente, se faz sentido, independentemente do tom) e, com base nisso, você consegue muito material para trabalhar e aperfeiçoar a ideia. Acho que é basicamente isso. É possível, tudo é possível.

--

--

Revista Lampejos
Revista Lampejos

Lam·pe·jo — s.m. Figurado. Expressão momentânea e genial de inteligência: lampejo de criatividade.