A vida de um designer imigrante na terra dos pés e polegadas
Em uma época em que ter uma opinião é arriscado e, embora este artigo não tenha qualquer caráter científico, vejo a necessidade de apresentar o objetivo e delimitar o escopo deste texto. Nele pretendo apresentar um pouco da minha experiência como designer gráfico nos Estados Unidos (EUA). Como o país é muito grande e plural, minha visão é baseada apenas no estado de Washington (região de Seattle) e nas empresas em que trabalhei nos ramos de tecnologia e games. Não pretendo apontar se há um lugar melhor que outro, mas apenas apresentar algumas diferenças, sem juízo de valor, e contar o que tenho aprendido trabalhando/morando em outro país.
Nós, brasileiros, temos um dos melhores “designs” e designers do mundo. Pode soar bairrista e ufanista, mas trata-se de uma verdade. Da mesma forma que nós temos a melhor comida do mundo. Por que? Nós temos influências de todos os cantos do mundo e misturamos tudo. O que é a criatividade se não a mistura de experiências e pensamentos a princípio desconectados e reconectados?! O design brasileiro, filho da escola alemã (o melhor, depois de nós), se misturou com a nossa cultura e capacidade de resolver problemas com os materiais disponíveis e formou o estilo brasileiro.
Os EUA têm uma visão sobre o design mais pragmática. Eu sou um pragmático e gosto muito do James William (recomendo a leitura), mas o processo de design não pode ser um caminho reto e engessado. Por isso existem tantas técnicas criativas desenvolvidas aqui tentando fazer o processo menos linear e mais criativo. Nós, brasileiros, fazemos brainstorm, temos capacidade criativa, pensamos em grupo o tempo todo e temos mais empatia pelas pessoas, as técnicas apenas nos ajudam a formalizar isso. Enquanto aqui, o pragmatismo deles exige um momento/espaço para ser criativo, por isso há tantas técnicas para estimular a criatividade.
Eu sei que você, caro leitor, sabe tudo isso. Essa é a primeira diferença, no Brasil estudamos outras escolas e estilos de design. Nossa educação é mais global e menos encaixotada. Por exemplo, no Brasil você encontra restaurante servindo churrasco, lasanha e sushi no mesmo buffet, nos EUA os restaurantes — geralmente — são divididos por tipo de comida (italiano, mexicano, grego, etc.). Isso é um reflexo do que é a sociedade, não há muita mistura de culturas e pensamentos. Em termos de design, no Brasil gente estuda sobre escolas e autores de design europeus (Munari, Gui Bonsiepe, Löbach, Manzini, Vertanti e Nigel Cross) e norte-americanos (Lockwood, Fraser e Kathryn Best), mais focadas nas escolas européias porque o design brasileiro foi muito influenciado por Aloísio Magalhães e por Alexandre Wollner que beberam nessa fonte, mas ainda assim estudamos conceitos da escola americana. Enquanto que nos EUA, por terem seu próprio estilo de design e autores próprios, acabam ficando mais focados em seu próprio estilo. Ainda hoje todos esses mesmos autores me influenciam e eu também acompanho muitos blogs e vlogs sobre design. Confesso que dei um tempo nas leituras pesadas e densas após o mestrado e tenho dedicado mais meu tempo a aprender mais o inglês e especificidades técnicas da produção gráfica local (abordarei isso mais a frente).
Ainda sobre educação, nos EUA o ensino superior é proporcionalmente mais caro e eles estudam menos tempo sobre o curso em questão. Os primeiros 2 anos da graduação (o famoso College) são dedicados a matérias mais genéricas a todos os cursos como língua inglesa e matemática e os últimos 2 anos voltados ao curso em si. Enquanto no Brasil, geralmente a gente já começa com disciplinas focadas na área do curso. De maneira geral, as empresas não se importam muito se você tem uma graduação ou cursos, o que conta é a experiência, portfolio e a rede de contatos. Por exemplo, eu não validei meus diplomas aqui e nenhuma empresa pediu para verificar. Eu levei quase dois anos para conseguir trabalho como designer, pois eu não tinha experiência e nem contatos aqui nos EUA.
A segunda diferença é o idioma (Captain Obvious). O que eu quero dizer é que no Brasil nós usamos diversas palavras em inglês que não são usadas da mesma forma e que nos EUA não fazem muito sentido. Por exemplo, “flyer”, “briefing” e “folder”. Se você trabalha em gráfica, esses são termos do dia-a-dia, mas aqui isso não tem exatamente o mesmo sentido. Não acredito que devemos fazer como os portugueses (de Portugal) e traduzir todas as palavras, mas temos que ter cuidado quando abrasileirarmos as palavras. No início isso me causou algumas situações confusas e engraçadas, mas a gente aprende a lidar com esse tipo de situação.
A terceira grande diferença é o sistema métrico x sistema imperial. Nesse tópico, incluo ainda as diferenças nos padrões de papel, sangria (bleed), processos de impressão e tudo o que envolve a produção gráfica. Para web é mais simples porque um pixel é um pixel em qualquer lugar, mas aprender a pensar em pés e polegadas é tão complicado quanto aprender uma nova língua. A velha matemática volta a fazer parte da vida, porque quando o cliente te passa a medida 3’-5 3/8” (3 pés e 5 3/8 polegadas) e você precisa criar o leiaute no Adobe Illustrator com essas dimensões a coisa fica complicada. Só resta pegar a calculadora e transformar tudo para polegada decimal. E você ainda achava que design é “de humanas”.
Eu poderia continuar citando mais exemplos, mas acho que esses 3 tópicos já são suficientes pra dar uma ideia geral das diferenças do design nesses dois países. Como para ser designer é necessário criar empatia com todos os tipos de usuários, ter contato com outras culturas faz a gente abrir a cabeça e criar um design mais inclusivo e multicultural. É claro que aprendemos coisas novas todos os dias em qualquer lugar, mas a oportunidade de trabalhar com gente de diferentes países e culturas traz um aprendizado tão grande e profundo que eu poderia comparar com a experiência acadêmica do mestrado. Assim, encerro este artigo. Se alguém tiver alguma pergunta ou curiosidade fiquem a vontade para entrar em contato pelas mídias sociais.