Débora Nunes: Ilustração, Aquarela e Arte nas Tatuagens

Revista Letraset
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8 min readJul 30, 2019

Débora tatua há quatro anos e concluiu sua graduação em Design Gráfico pela SATC em 2015. No último ano em que estava no curso, começou a trabalha no estúdio Espaço da Arte como aprendiz. Atendia clientes, assistia os tatuadores mais experientes e estudava a fundo a área, focando na área de desenho e ilustração. Nessa entrevista a tatuadora nos conta um pouco do dia a dia e do processo criativo da tatuagem.

Como foi o início da carreira?

Sim, sempre gostei de ilustração. A arte sempre foi presente na minha vida, eu gostava muito de brincar de ser artista — pegar a tinta e pintar papel, parede, desde pequena. Mas comecei a considerar o ramo da arte quando tinha 15 anos, que foi quando eu percebi que era legal desenhar e que eu gostava de estudar sobre isso. Então eu já foquei para o desenho mesmo, algum conhecimento que voltasse para isso. E foi aí que escolhi o Design, já sabendo que iria ser tatuadora.

Quando que você começou a treinar? Foi direto na pele?

Primeiro foi em pele sintética, que é parecida com uma plaquinha de silicone e acabei não curtindo muito. Além dessa, teria também a pele de porco para treinar, mas fica um cheiro forte depois. Então eu treinei em EVA. Quem me ensinou a tatuar foi o Don Ramalho. Para treinar pediram para eu desenhar Mandalas e acho que eu nunca desenhei tantas na vida (risos). Depois de uma semana treinando no EVA, meu chefe pediu para eu tatuar a mulher dele e eu fiquei nervosa e fui com medo, achando que ia ficar tudo tremido. Mas saiu uma tatuagem legal, para quem nunca tinha feito uma na vida. E depois eu fui tatuando alguns amigos.

Do papel para a pele tem muita diferença?

Tem uma diferença enorme, porque no papel é reto, liso, firme e já sabe como vai ser. Mas na pessoa tem toda curvatura da anatomia, tem o fator de como a pessoa está se sentindo, às vezes ela está com muito medo e se mexe. São coisas que a gente vai aprendendo. Têm clientes que estou tatuando dão uma mexida, mas com o tempo vamos entendendo como funciona o corpo, no fim é quase um trabalho de psicólogo (risos). Mas é muito legal, eu gosto dessa troca humana, não é só um desenho, você marca a vida da pessoa.

Mas você já começou em um ambiente mais favorável, certo?

Sim, já estava melhor e já era mais fácil o acesso também. Assim, há uns oito anos atrás a gente não tinha metade da tecnologia que tem hoje, e também a facilidade de estudar pela internet. Esse foi o caminho que eu não fiz, porque preferi entrar em um estúdio e ver de fato. Na tatuagem é muito complicado se guiar pela internet, já que depende da tua adaptação. Como por exemplo, existem dois tipos de máquinas: a rotativa, que eu prefiro para traços finos e pintura, e a de bobina, que eu gosto de fazer só com traços grossos. E já tem gente que prefere de outras formas, é muito da personalidade e estilo.

No estúdio trabalham três tatuadores, cada um com seu próprio jeito e estilo de tatuar, certo?

Sim, cada um tem seu estilo e personalidade. Inclusive, antes de tatuar a gente usa um carimbo e até isso é diferente, cada um faz a sua maneira. Isso também é interessante, porque a pessoa chega aqui e não precisa ficar presa no desenho que trouxe ela consegue ter liberdade nesse sentido.

Muita gente procura vocês para criar desenhos?

Eu recebo bastante pedidos, e as pessoas pedem “eu quero um desenho, mas do teu jeito”. Isso me deixa muito feliz, porque eu não quero ficar fazendo cópias e ser só mais uma tatuadora. Eu acho interessante até pela questão de que às vezes eu posso trazer o desenho para a personalidade da pessoa. Acho que é interessante porque você traz uma história e significado junto da tatuagem. Mas outras pessoas já chegam com a ideia. Algumas pessoas trazem até fotos de memes, emojis. Às vezes aparecem uns casos bem estranhos, alguns muito estranhos.

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Se chegar alguém aqui sem saber ao certo o que tatuar, você costuma ajudar?

Eu sou bem a louca dos significados, então a pessoa vem aqui, me conta sobre o que passou e pede algo que represente isso. Aí, converso para unirmos dois símbolos que possam ilustrar bem a história da pessoa, surgindo algo totalmente pessoal.

Quantas tatuagens você tem?

Tenho três tatuagens. Uma eu fiz com quem me ensinou a tatuar, a outra fiz com o Will e a última foi uma auto tatuagem, mas não foi legal porque doeu.

Quais as áreas do corpo que costumam doer mais para tatuar?

O braço é uma região tranquila de se tatuar, mas o cotovelo e tirador de sangue já são mais complicados. A perna, se for mais no meio da coxa, é tranquilo, mas mais perto da região de dobra é complicado. Panturrilha se é muito em cima o pessoal reclama, porque meio que dá uma fisgada no músculo. Mas o que o pessoal costuma reclamar mais é costela, dedo e pé.

Qual a tatuagem mais longa que você já fez?

A mais longa foi um cervo que eu fiz na coxa. Mas a gente dividiu, fizemos todos os riscos em um dia e pintamos no outro por conta do tempo enfim.

Como é a rotina de vocês aqui no estúdio?

A rotina é: não existe rotina. A gente vai no embalo, atendemos normal de segunda a sábado, mas também vamos muito da rotina do cliente. Domingo passado, por exemplo, tatuei porque a guria veio lá de Floripa e era mais fácil. Feriado também não é sempre que a gente respeita.

Qual o tempo médio que você leva para fazer uma tatuagem?

Depende muito do estilo. Tem tatuagem que a gente leva mais tempo montando a bancada do que tatuando. Mas tem tatuagem de meia hora e umas de trinta horas. E aí vai de como o cliente aguenta. Às vezes a gente tatua um pessoal que dorme até. Depende muito de pessoa e tamanho e complexidade da tattoo.

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As ilustrações na parede são suas? Você ilustra também por hobbie?

Sim, e se eu precisar tatuar uma delas eu posso recriar, mas não faço igual. Também ilustro por hobbie, gosto bastante de brincar com aquarela.

E todo mundo aqui do estúdio ilustra também? Para tatuar tem que saber ilustrar?

É um pré requisito, pelo menos eu digo que tu até consegue tatuar sem saber desenhar, mas tu vai ser um tatuador muito bom se tu souber criar e ter a ilustração como um hábito. É um diferencial enorme.

Você tem algum tipo de ilustração ou algum estilo que você acha que te define, ou seja, seu preferido?

Eu gosto muito de fazer aquarela e linhas que tenham algo voltado para um traço de pontilhismo, algo mais delicado nesse estilo.

A gente pode perceber que cada ilustrador aqui do estúdio tem um estilo, certo?

Sim. E isso é muito bom, porque a gente vai aprendendo e trocando ideias um com o outro.

E são quantas pessoas no estúdio?

Tem eu, o Will, a Lilli, o Ramon, o Jhonny que está começando a tatuar e está só com os clientes dele mesmo e tem a Vanusa que é micropigmentadora de sobrancelhas no espaço aqui em cima do estúdio.

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Você costuma trabalhar com caligrafia nas tatuagens?

Sim. E também gosto de destoar um pouco da caligrafia tradicional. Lembro que o professor Rafael Hoffmann me deu um workshop e ajudou a dar mais um caminho na hora de criar uma caligrafia, uma letrinha mais exclusiva.

Você já chegou desenvolver uma fonte Sua?

Não cheguei a desenvolver uma minha, mas gosto de puxar para o decorativo nas fontes que eu faço, até para a escrita ficar mais delicada. Ou dependendo do estilo do trabalho dá para fazer vários elementos.

Como você vê o mercado de trabalho na região?

Com a possibilidade de fazer workshop online e coisas assim na internet, tem muita gente que tá entrando, comprando kit da china e começando a tatuar em casa. Esse tipo de coisa acaba prejudicando nosso trabalho, porque quem tatua em casa cobra cinquenta reais e aqui considerando o ambiente e material de trabalho, é mais caro. Então às vezes a gente sente que o pessoal faz o orçamento e diz que tá caro demais, esperando que a gente baixe o preço. A gente ainda tem que se firmar muito perante ao mercado para conseguir um pouco de respeito. Até porque faz pouco tempo que a tatuagem começou a ser vista como arte. Então a gente tem que explicar que é uma arte e que a pessoa vai carregar para a tua vida. A gente faz muita cobertura aqui, um desenho feio a gente salva. Mas e hepatite? Uma inflamação que você pega na pele? Tem umas coisas muito macabras que podem acontecer se não tomar cuidado. Aqui, tudo o que entra em contato com a pele da pessoa, vai fora depois. Tem gente que reutiliza, e não pode. A gente tem um pouco de sorte, porque tem gente que já tá valorizando e sabe que é o preço. Tem muita gente que vem aqui, acha caro, vai lá e faz com um barato e duas semanas depois vem ver o que dá para fazer para cobrir. Já aconteceu de cobrirmos nomes de pessoas, enfim.

Para finalizar, tem alguma dica pra quem está começando na área?

Desenhe, estude, mesmo que não seja o estilo que você quer seguir. Estuda, porque quanto mais tu estudar sobre o estilo que tu quer, mais coisas diferentes vai conseguir trazer. Por exemplo, eu quero seguir na aquarela mas também estudo realismo, porque às vezes consigo trazer uma base diferente para a aquarela e deixar meu trabalho ainda melhor. Estuda, estuda, estuda! E sempre que tu achar que já estudou o suficiente, estude mais um monte porque sempre tem coisa nova, materiais novos, tintas, máquinas, fontes. Tem muita novidade no mercado. É muito importante estar aprendendo e se atualizando sempre.

Fotos: Bruna Pereira/Entrevista: Bruna Pereira, Fernanda Milioli e Gustavo Milioli/Matéria: Daniela Anzolin e Gustavo Milioli

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