Momo: o rei da matança

Jorge Rocha
revista [LIMBO]
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3 min readFeb 1, 2016

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Maurício Angelo #carnavalgrandguignol

Pra’quele carnaval, encomendou 3 garrotes da roça do seu tio Hermes. Chegaram resfriados, cortados e separados em 27 sacos pretos que ocuparam todo o depósito do açougue. Fez questão que não escapasse nenhum detalhe: comprou quilos de pimenta preta moída, cominho, sal grosso, alho, cebola e manjericão. Passou a última semana de janeiro e o início de fevereiro dando conta dos preparos para a comilança.

No presídio, o diretor deu a notícia que algum mecenas desconhecido resolvera proporcionar um banquete especial para os detentos na quarta-feira de cinzas. Zézão Pé de Bode estranhou, mas não tinha muito o que fazer. Acabara de se recuperar de uma tuberculose e se limitava a elaborar planos de fuga patéticos com Jonas e Paulo. Dividia a cela de 15 metros quadrados, um buraco no chão que usavam de banheiro e uma minúscula janela de 3x3 com outros 19 detentos.

Jarbas já era diretor da penitenciária há 25 anos. Engordara 53 quilos naquele período e tinha passado por 7 rebeliões, 5 motins e 3 fugas de grandes proporções, de modo que não desejava outra coisa senão a aposentadoria. Para seu desespero, ainda levaria mais 10 anos para que pudesse se isolar em seu sítio no interior do Mato Grosso, deixando Camila e as duas filhas na capital.

Momo tinha crescido numa família feliz em Cuiabá. A mãe, Gioconda, era dona do mercadinho mais movimentado do bairro e Momo ajudava a tocar o negócio com seus outros 3 irmãos, mais novos. Hermes estava sempre por perto, servindo de mentor, já que o pai de Momo morrera num acidente infeliz quando ele tinha 7 anos, destroçado pela hélice do barco de pesca enquanto tentava arrastar uma piraíba gigante, sendo sugado para dentro da água para nunca mais voltar.

Assim, um dos passatempos preferidos de Momo na adolescência era pescar com dinamites no afluente mais próximo da sua casa. Bananas que descolava com Messias, seu amigo de infância e herdeiro da maior loja de fogos de artifício da cidade. A vizinhança, à boca pequena, sempre especulava se Momo era mesmo um menino normal ou se não teria sofrido traumas irreversíveis pela morte do pai. Ele ignorava os cochichos no bairro e as brincadeiras que tinha que aguentar na escola. Sem nunca, no entanto, se dirigirem diretamente a ele, mas sempre pelas costas. Mesmo moleque, Momo já era maior e mais pesado que a maioria dos seus colegas e não hesitava em intimidar sempre que necessário.

Já adulto, tornou-se figura surpreendente nos bailes da Vila Rosa. Dançava bem para um homem do seu tamanho e as mulheres se sentiam atraídas por aquela figura imponente, intimidadora mas estranhamente convidativa. Sem preferência, Momo traçava o que aparecia pela frente, das novinhas às coroas mais esbagaçadas do bairro. Fazia troça de todos e, aos 23, foi declarado embaixador oficial do carnaval das redondezas. Naquela noite, pra comemorar, estuprou e estrangulou três meninas de 12 anos fornecidas por Hélio, o aliciador mais conhecido da região. Eram tantas as meninas, a maioria sem família, sem rumo, sem presente e sem futuro que os desaparecimentos já eram dados como rotina. Tudo devidamente ignorado pelas autoridades, que também gostavam de utilizar os serviços de Hélio de tempos em tempos.

Exímio cozinheiro, Momo estava orgulhoso do banquete que preparara para aquela quarta-feira de cinzas, 17 de fevereiro. Os 232 detentos sentaram famintos no pátio da penitenciária e após o discurso e a oração, feita pelo prefeito, devoraram com gosto a carne suculenta e o arroz carreteiro que Momo tirava das panelas.

Assim que as primeiras dinamites explodiram ao redor do presídio, as portas do pátio cerradas, Momo descarregou todos os cartuchos para a metralhadora que havia fixado em cima do pedestal. Hermes esperou o fim da satisfação do sobrinho para recolher todos os pedaços de corpos espalhados pelo pátio. A ração dos animais tinha subido demasiadamente e, conservada do jeito certo, agora tinha carne suficiente para alimentar todas as cabeças de gado da sua roça até o próximo carnaval.

Foto: Ricardo Laf

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