XXVIII
Mariana Basílio
“Her heart was made of liquid sunsets.” Virginia Woolf
Apertavam. Apertavam-lhe a carne.
Apertavam-na, com uma precisão
de luzes cobertas de sombras, como uma
procissão despida de brio e repleta de valsas.
Apertavam-na veia coronária, que vez
ou outra amava ela respirar e sentir
pôr-do-sol pelas cabeças.
Mas era um longo inverno. E doía.
Mas era um longo esmero. E bastava.
Apertavam-na. Como ervas-daninhas,
como sugo de amoras, como bordas
que vazavam o céu aberto. Coronária.
Visando-lhe os sonhos também
vasavam-lhe os olhos. Visando-lhe os
braços por rio de fados. E apertavam-na,
com carne e fel. Era o puro ruir, ferrugem.
Apertavam ao fim. Vagando-lhe os sonhos,
nos prantos da terra que cantava, perdia-se.
Como uma forma de fé, pulava em metros
o próprio coração. A fenecer, sorria.
Que da vida resta a morte.
Que do dito resta o silêncio.
Que do peito resta o coração.
Mariana Basílio é pedagoga, mestranda em Educação e poeta. Autora do livro-poção Nepente (Giostri Editora), escreve atualmente a segunda obra, sombras & luzes — dedicada ao surrealismo de Herberto Helder. Tem poemas publicados em revistas e fanzines de Portugal e Brasil, como Efémera, Inefável, Subversa e Conexão Literatura.
Foto: Lidyane Ponciano